José Eduardo dos Santos anunciou que abandonará o poder ao fim de 38 anos e todos os olhos estão postos na transição política em Luanda, com eleições presidenciais marcadas para 23 de agosto. Mas Angola não é o único país em África que vai a votos. Este ano há outras 11 votações naquele continente e a tensão política pode aumentar.
Segundo um guia de risco político elaborado pelo grupo segurador Aon para 2017, a incerteza naquela região resulta não apenas das eleições mas também das “complexas ameaças de grupos extremistas, como o Estado Islâmico na África Ocidental, Boko Haram, AQIM e al-Shabaab”. O cenário de crise dos dois últimos anos, que levou à intervenção do FMI em vários países, é outro dos fatores apontados.
Ana Lúcia Sá, especialista em estudos africanos do ISCTE, concorda que as eleições podem aumentar a tensão nestes países. “Tem-se considerado que as eleições em África não têm significado democratização […] Há um risco elevado de tensão política associado aos momentos eleitorais”, considera, salientando a “pouca cultura democrática” da região.
“Dos países da África Subsariana, oito são considerados livres ou democráticos pela Freedom House”, salienta, apontando ainda a “fraqueza de instituições” e “o controlo que os incumbentes têm do processo eleitoral”.
Angola é um dos focos apontados pela Aon. A saída de José Eduardo dos Santos pode conduzir à “fragmentação política”, alterações legais e iniciativas que comprometam o meio ambiente, considera a seguradora.
Vitória provável do MPLA
Contudo, Ana Lúcia Sá considera que Angola é um dos países onde “é expectável que não ocorra alternância do poder”. A opinião é partilhada por Paulo Guilherme, analista do Africa Monitor. “Dada a desproporção de meios entre o MPLA e a oposição, João Lourenço, candidato do MPLA, é, de facto, o mais provável vencedor das eleições”, argumenta [ver caixa].
O relatório da Aon destaca ainda Etiópia, Quénia, Moçambique, Nigéria, Ruanda, África do Sul e Zimbabwe. No entanto, regista melhorias nas notações de risco da Guiné, Gana, Madagáscar e Ruanda. Já as Ilhas Comores, Djibouti, Etiópia, Moçambique e Zimbabwe registam deteriorações na avaliação de risco.
“Há países onde é expectável que ocorram protestos associados às eleições, como a República Democrática do Congo”, frisa Ana Lúcia Sá.
A alternância de poder no país pode ser a primeira transição pacífica desde 1960. No meio de uma crise política e violência extrema, os partidos políticos chegaram a acordo, estabelecendo que o presidente Joseph Kabila não pode alterar a Constituição do país para permitir que se candidate a um terceiro mandato, e que a mesma não pode ser alterada durante o período de transição.
“É necessário considerar os fatores prévios às eleições que potenciam a existência de protestos ou o fortalecimento dos regimes autocráticos por via das eleições. A repressão, a censura ou a prisão de líderes da oposição e da sociedade civil são usadas para a manutenção no poder”, considera Ana Lúcia Sá.
No entanto, exemplos como a transição na Gâmbia, em que Yahya Jammeh perdeu as eleições para o candidato da oposição e abandonou o país, ou a Somália, onde Mohamed Abdullahi Mohamed foi eleito presidente e o seu antecessor cumpriu apenas um mandato, mostram que têm existido transições pacíficas.
“Têm surgido fatores surpresa que estão a obrigar a repensar a forma como se analisa a democratização, a alternância do poder e o papel das oposições e da sociedade civil em alguns contextos africanos”, diz a especialista em estudos africanos.
Jornal Econômico