Quatro décadas e meia depois da independência de Angola, o Banco Nacional de Angola (BNA) vai finalmente tornar-se uma instituição independente do poder político. A decisão consta de uma lei assinada por João Lourenço, que a submeteu a discussão e aprovação pelo Parlamento angolano.
Assumindo uma relevância histórica, esta medida permite ao Presidente “responder a uma das exigências nucleares do Fundo Monetário Internacional (FMI) e dar mais um passo rumo ao resgate da recuperação da credibilidade do BNA como um dos instrumentos-chave da nossa política financeira”, disse ao Expresso fonte do Conselho de Ministros.
Com esta decisão, João Lourenço faz também uma ruptura com a velha e crónica resistência do seu antecessor, que, no passado, geriu o BNA como uma secção administrativa da Presidência da República, ao serviço da elite dominante em Angola.
“Depois de termos avançado com reformas estruturantes no mercado cambial, conseguimos quebrar a taxa de câmbio fixa que perdurava desde 1975 e estamos agora fortemente comprometidos em alterar o quadro regulatório e operacional do nosso sistema financeiro de acordo com as atuais e melhores práticas internacionais”, garantiu ao Expresso o governador do BNA, José Massano.
Alguns analistas, cautelosos, receiam que, perante o pesado historial de dependência do BNA em relação ao Governo, haja a tentação do poder político de continuar a exercer a sua influência sobre o banco central, adaptando o conceito de autonomia a essa intenção.
Concorrendo as políticas monetária, cambial e fiscal em comum para a estabilidade macroeconómica, Mário Nelson, consultor sénior do Banco Totta, espera que a nova lei salvaguarde uma articulação sólida entre o Governo e o BNA, sem que isso redunde numa submissão do banco central em relação ao Executivo.
Para o economista Alves da Rocha, as reservas que se colocam à natureza da independência que vier a ser outorgada ao BNA recaem “na apetência do MPLA e do Governo de se imiscuírem na definição e na condução da sua política monetária”.
Para este professor da Universidade Católica, o ideal seria ter o governador, os vice-governadores e os administradores do BNA a sujeitarem-se a um pleito eleitoral.
Estando excluída, para já, esta perspetiva, Alves da Rocha espera que o BNA venha a ser “um banco central independente, virado exclusivamente para a manutenção da estabilidade da moeda, deixando o Governo de poder usar a política monetária para financiamento dos seus défices orçamentais”.
E que o Executivo angolano passe “a controlar melhor o Orçamento Geral do Estado, a definir de modo assertivo o programa de investimentos públicos, a recorrer a outros fundos de investimento mais exigentes e independentes e a saber esclarecer melhor as suas prioridades para o crescimento e a melhoria de vida dos cidadãos”.
Professor da Universidade Agostinho Neto, Mário Nelson defende, por sua vez, que “o BNA tem de deixar de funcionar a reboque do Ministério das Finanças e de ser um mero executor de políticas ordenadas por terceiros, quando lhe cabe desempenhar, de forma soberana, o papel de principal definidor”.
Mais reservado ainda, o empresário e economista Lago de Carvalho não acredita “na boa vontade política das autoridades em apostar na independência do BNA” e considera que “tal só está a acontecer por pressão do FMI”.
O governador do BNA desdramatiza o ceticismo que se levanta à volta desta questão e assegura que, a coberto da nova lei, o banco central em Angola deixará de estar sujeito a qualquer interferência do Governo, ficando também vedada a transmissão de recomendações ou a emissão de diretivas aos seus órgãos de gestão por parte de entidades públicas ou privadas.
Com a nova lei, o governador tornar-se-á uma figura inamovível no decurso do mandato, deixará de ter assento no Conselho de Ministros e terá poderes para se opor, no futuro, à permanente tentação do Governo de emitir moeda, particularmente em momentos de abrandamento económico ou em períodos pré-eleitorais.
Na sequência deste novo pacote, a política monetária e cambial deixará de ser assumida pelo Ministério das Finanças e passará a ser definida e executada pelo BNA, que aprofundará a liberalização do mercado.
“Vamos restringir a venda e a compra de títulos ao mercado primário, porque voltar a fazê-lo no mercado secundário representaria um grande recuo para a nossa estabilidade macroeconómica”, conclui José Massano. EXPRESSO