“As primeiras eleições pós-[Eduardo] dos Santos, irão testar as reivindicações por um governo de progresso na liberdade política e de imprensa. A direção política e de governação de Angola poderá ser determinada pela qualidade deste processo eleitoral”, estima o relatório do Conselho para a Paz e Segurança (CPS) da União Africana, divulgado hoje pelo Institute for Security Studies (ISS) na África do Sul.
As presidenciais angolanas deverão ser marcadas pela recandidatura a um segundo mandato do Presidente João Lourenço, que assumiu o poder em 2017 de José Eduardo dos Santos, no poder durante quase quatro décadas, e “fez parte de um plano de sucessão do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA)”, que o estabeleceu como candidato do partido no poder, recorda o relatório do CPS, que é o órgão permanente da União Africana (UA) para a prevenção, gestão e resolução de conflitos.
“No entanto, as eleições foram marcadas por irregularidades, que lançaram dúvidas sobre a integridade dos resultados, acabando assim, inicialmente, por lhe retirar a legitimidade”, considera o Conselho.
O relatório reconhece que João Lourenço foi “elogiado” por “empreendimentos reformistas, particularmente em torno do combate à corrupção” e pela “relativa abertura do espaço político”, mas sublinha que o atual chefe de Estado angolano “tem utilizado reformas para consolidar o poder”.
“A recessão económica, a pobreza e a desigualdade têm sido as maiores preocupações do país. A candidatura de [João] Lourenço à reeleição será provavelmente um referendo que avaliará a governação durante o seu primeiro mandato. Será também mais um teste seguro ao processo eleitoral do país, que tem favorecido largamente o MPLA no poder durante várias décadas”, aponta o CPS.
A África “pode enfrentar muitos desafios em 2022”, uma vez que “as crises e os conflitos existentes e emergentes continuam a atingir o continente e a afetar as suas perspetivas de desenvolvimento”, estima o relatório.
O contexto definido pelo CPS é particularmente sombrio. “Os países africanos precisam de fazer muito mais para inverter as atuais tendências de conflito e crise. Dadas as repercussões regionais de muitas questões e a natureza transnacional de algumas, os organismos regionais e a UA devem agir com mais determinação e urgência. Nos próximos meses, vários países realizarão eleições, o que poderá aumentar as tensões. Os avisos de violência política não podem ser ignorados”, sublinha.
Estão previstas três grandes eleições no continente, em Angola e no Quénia em agosto de 2022, e no Senegal, em janeiro e julho. “Estas eleições irão influenciar as trajetórias políticas dos países e são suscetíveis de aumentar as tensões e a violência, particularmente no Quénia e no Senegal”, segundo o mesmo texto.
No caso do Quénia, as eleições de 2022 “estão destinadas a ser altamente contestadas e disputadas, esperando-se violência eleitoral”.
O atual Presidente queniano, Uhuru Kenyatta, está impedido constitucionalmente de concorrer a um terceiro mandato, pelo que procurou modificar a estrutura do Executivo e tentou criar uma grande coligação reunida na Iniciativa para Construir Pontes (BBI, na sigla em inglês).
A BBI propôs-se, através de uma alteração constitucional, criar novos cargos, incluindo os de primeiro-ministro e vice-ministros, para tornar os ministros membros do parlamento e atribuir um cargo ao líder da oposição.
O Supremo Tribunal do Quénia rejeitou, no entanto, a proposta, que considerou inconstitucional. A saída de Kenyatta deixa espaço aberto à concorrência, ao qual o antigo vice-presidente William Ruto e o líder da oposição de longa data, Raila Odinga, aparecem na linha da frente para preencher.
Este será um ponto de viragem nas carreiras políticas de um e outro, e provavelmente a última oportunidade de Odinga chegar à presidência do país.
“O resultado das eleições, contudo, será em grande parte decidido pelo destino dos votos do círculo eleitoral de Kenyatta, que irá querer aproveitar a sua capacidade de influência em favor de um determinado candidato”.
O colapso da BBI retirou a possibilidade de um executivo de influência alargada, e Kenyatta viu reforçada a sua posição política, considera o Conselho.
Quanto ao Senegal, que deverá realizar eleições locais e legislativas em 2022, três anos após o Presidente Macky Sall ter sido reeleito para um segundo mandato num sufrágio que impediu dois candidatos importantes de concorrer por suspeita de condenações criminais por motivos políticos, “as tensões prevalecem, resultando inclusive em motins em março de 2021, desencadeados pela detenção da principal figura da oposição, Ousmane Sonko”, aponta o relatório.
“As eleições também terão lugar dois anos antes das próximas presidenciais, em relação às quais se diz que Sall está a considerar a possibilidade de concorrer a um terceiro mandato. A perceção da desqualificação judicial dos opositores políticos, reformas eleitorais e outras reformas constitucionais problemáticas, e dificuldades económicas exacerbadas pela covid-19, irão testar o governo de Sall e a estabilidade política do Senegal”, avisa o Conselho para a Paz e Segurança da União Africana.