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Angola mudou e o sonho de muitos portugueses está a chegar ao fim.

01 Mai, 2017

A crise vê-se nas pequenas coisas. Empresas fechadas, restaurantes vazios, professores sem salário. Até as ruas têm menos trânsito. É a hora do adeus

Regresso. As caóticas ruas estão mais calmas. Há menos gente, menos carros. Muitos estrangeiros que vieram à procura de trabalho bem pago, regressaram a casa. Chegaram a uma Angola cheia de esperança, deixaram para trás um país em crise

Os portugueses começaram a deixar de vir há três anos. Tinham passado 12 anos desde a abertura das comportas da paz, em 2002, e Angola surgia aos olhos do mundo como um novo e apetecível mercado. Irresistível, mesmo. E de Portugal veio uma nova geração: bem preparada, sem emprego no próprio país e disposta a aproveitar uma oportunidade única de prosperidade. Chegavam aos milhares. Esses eram os dias da Angola superstar, os dias de crescimento económico verdadeiramente notável. O país atraía pessoas de todo o mundo e exibia um encanto que rapidamente aguçou o apetite de muitas empresas portuguesas atoladas em crise. Hoje, esses dias acabaram.

Nota-se nas pequenas coisas. O trânsito em Luanda, cada vez menos caótico, é talvez o melhor sinal de que algo está a mudar. Os restaurantes vazios também, tal como os apartamentos por vender e as empresas fechadas. Basta entrar numa das mais conceituadas escolas da capital, para perceber que a euforia deu lugar a outra coisa. Os voos são de regresso, não de chegada. Estes são os dias do adeus, os dias que ainda há poucos anos pareciam impensáveis.

Tudo era diferente. Um novo país emergira das ruínas da guerra e uma jovem geração de angolanos, que até então nunca fora influenciada pela emigração portuguesa, estava agora aos comandos da sua gestão económica. Para trás ficara um sangrento rasto de destruição humana e material que, tendo travado no passado quaisquer tentações migratórias de Portugal para Angola, era, paradoxalmente, um incentivo para a “invasão silenciosa” de uma nova vaga de emigrantes oriundos dos países vizinhos e do oeste de África.

Angola a começar do zero. Os desafios de paz e de reconstrução económica, aliados a uma gritante falta de recursos humanos diferenciados, acabaram por estender a passarelle a muita gente qualificada em Portugal. Vieram as empresas. Muitas, porém, mal conheciam a genética do poder que aparentemente as atraía e as regras que podiam ser alteradas a meio do jogo. E depois chegaram milhares de portugueses, cujo perfil se diferenciava em tudo do dos primeiros colonos que, na década de 60, não sonhavam voltar a Portugal.

Não eram os únicos. Da Ásia, os cordões da bolsa de Pequim libertavam mais de 20 mil milhões de dólares e, atrás da confortável almofada financeira, veio um vasto exército de trabalhadores chineses, que rapidamente se converteram numa das maiores comunidades estrangeiras em Angola. “Eram e continuam a ser tão complexos os nossos problemas, que chegámos logo à conclusão que nos faltava quase tudo, desde operários especializados até enfermeiros licenciados, passando por engenheiros e gestores de empresas”, reconhece Olívio Matias, especialista em recursos humanos.

O boom petrolífero abriu as portas à contratação de jovens portugueses que, saídos das universidades, encontraram em Angola o primeiro emprego. A tendência acentuou-se depois de a nova equipa de administradores da Sonangol, liderada por Isabel dos Santos, ter tomado conta da petrolífera. “Até o último delegado da RTP em Luanda está a ocupar na Sonangol um lugar que poderia ser perfeitamente exercido por muitos angolanos formados em comunicação e marketing”, diz ao Expresso Felisberto Graça Campos, diretor-executivo do portal “Correio Angolense”.

Na maior empresa angolana, alguns testes psicotécnicos a quadros com mais de 30 anos de experiência petrolífera passaram a ser feitos por jovens portugueses recém-licenciados, que auferem ordenados com que nunca sonharam Portugal. Um deles, por distração, na troca de cartões de visita com um antigo diretor de operações que tem mais anos da Sonangol do que a idade de muitos dos atuais portugueses da administração da petrolífera angolana, esqueceu-se de apagar o nível da categoria que, antes de vir para Angola, havia atingido em Portugal na empresa para a qual trabalhava: estagiário. “É um insulto para quem leva a vida inteira a trabalhar na indústria petrolífera”, desabafa Orlando Ferraz, geofísico angolano de uma empresa francesa de prestação de serviço.

Em situação precária, outros portugueses também responderam ao primeiro aceno que lhes foi feito por um país que, atravessando um período de efervescente recuperação e crescimento económico, parecia transpirar dinheiro por todos os poros. Mas o défice de mão de obra qualificada acabou por ser um pretexto para algumas pessoas em Angola engordarem os bolsos com a importação desordenada de técnicos estrangeiros. “Há, em alguns casos, negociatas que, ao culminarem na repartição do bolo entre o contratado e pessoas singulares ligadas à parte contratante, nos colocam diante de atos de clara corrupção”, denuncia o jurista Samuel Chivemba.

Começava a chegar uma nova elite de quadros portugueses, contratada por organismos do Estado, que substituía o já esquecido reinado dos cooperantes — expatriados que integravam no passado a estrutura dos organismos contratantes. Os seus sucessores, designados consultores, pareciam predestinados a serem emigrantes de outra galáxia que inundavam, soberbos, os gabinetes dos Ministérios das Finanças ou da Economia, do Banco Nacional de Angola e de outros organismos do Estado. Os voos de Lisboa e do Porto passaram a ser ocupados por portugueses em busca de uma oportunidade de vida melhor. A presença de uma comunidade cada vez mais numerosa acabaria por sufocar o já caótico trânsito na capital angolana. Luanda rebentava pelas costuras.

“Só por causa da crise em Portugal é que, perante o aumento da criminalidade, se sujeitavam a percorrer todos os dias grandes distâncias com risco de serem assaltados”, explica Jorge Aurélio, funcionário angolano de uma empresa portuguesa de auditoria. A vinda de mão de obra de Portugal era incentivada por patrões angolanos que, a vários níveis, apostavam cada vez mais nas suas qualificações técnicas. Em muitos casos, aparentavam detestar a dependência de Angola face à antiga potência colonizadora. Mas o sentimento veio a revelar-se falso. “Confesso que não confio no nosso pessoal. Não é sério e gosta de se refugiar na conversa dos óbitos. Para pôr a minha fazenda funcional tive mesmo que ir buscar uns ‘tugas’”, deixa escapar ao Expresso um empresário agrícola de Huíla.

Se os ordenados dos cooperantes do tempo de partido único, entre a década de 80 e finais da década de 90, dificilmente ultrapassavam os 3 mil dólares, esta nova vaga de expatriados soube tirar partido da bonança petrolífera. As suas transferências mensais passam largamente os 8 mil dólares, mas há casos no sector petrolífero em que os números atingem os 20 a 30 mil dólares. “Ainda dispõem de renda de casa e três a quatro viagens por ano para Portugal pagas pelo Estado angolano”, esclarece um funcionário do Ministério da Economia.

Havia dinheiro para tudo. Os portugueses a trabalhar em Angola aproveitavam os fins de semana prolongados para viajar até Maputo, Joanesburgo, São Tomé e Príncipe ou Windhoek, onde o custo de vida era e continua a ser incomparavelmente mais barato do que em Luanda. Abarrotado de clientes europeus, no restaurante da Associação Chá de Caxinde ou no Tambarino, na baixa de Luanda, surgiam todos os dias caras novas. Com a clientela das principais esplanadas da capital angolana, Viana e Benguela a mudar de cor, os empregados de mesa comparavam a chegada, aos magotes, dos portugueses a uma maratona: “Estão a vir a pé.”

O dinheiro, de manhã, à tarde e à noite, alimentava, sem calculadora, os neurónios dos novos endinheirados do país. Ninguém queria saber da eficiência dos transportes públicos e, por isso, foi sem espanto que as estatísticas registaram em 2014 (ano com maior volume de entrada de mercadoria em Angola, com 11 milhões de toneladas de carga diversa) a importação de 366 viaturas por dia.

E para contratar músicos de alto gabarito, dos cofres do Banco Nacional de Angola saía, a granel, dinheiro para a vinda de Roberto Carlos, Juan Luís Guerra ou Julio Iglesias. “Só para pagar o cachê de Roberto Carlos foi libertada de um banco público a fundo perdido uma verba próxima de 1 milhão de dólares e os preços dos bilhetes oscilavam entre os 150 e os 500 dólares. Toda a gente acha isso perfeitamente natural” , recorda, indignado, Jeremias Salvador, funcionário reformado dos antigos Serviços da Fazenda e Contabilidade. Famosos DJ como Pete Tha Zouk, Vibe ou Pedro Casanova animavam as noites tropicais na Ilha de Luanda ou no Mussulo, que contavam com uma fervilhante presença de portugueses então com vida confortável em Angola.

BANC — Banco Angolano de Negócios e Comércio, criado a partir de um empréstimo contraído junto do ex-BESA, Kundi Paihama e António Ferreira

O dinheiro saía de um saco sem fundo. Investidos de superpoderes, alguns portugueses permitiam-se pensar pela cabeça dos patrões (governantes e altas patentes das Forças Armadas) para tentar impor, em concursos públicos, regras de jogo a contendo dos interesses empresariais de quem lhes pagava. “Comportam-se como os cães do rei”, diz um alto funcionário do Ministério das Obras Públicas. A nova burguesia angolana florescia à sombra de negócios paralelos que, entre Luanda e Lisboa, proporcionavam grandes rendimentos a empresários dos dois países.

E também alguns conflitos tumultuosos, como aquele que em torno dos dinheiros dos casinos opôs o atual governador do Cunene, Kundi Paihama, ao empresário português António Ferreira, marido da fadista Mariza. Com os negócios dos chineses em alta a proporcionarem à rede de casinos detida por estes dois empresários um encaixe diário de mais de meio milhão de dólares, o jogo e a influência da parte angolana estimulavam a saída ilegal, através da sala VIP do aeroporto de Luanda, de consideráveis remessas de notas de dólares para Lisboa. Ligados no passado ainda por via do BANC — Banco Angolano de Negócios e Comércio, criado a partir de um empréstimo contraído junto do ex-BESA, Kundi Paihama e António Ferreira acabaram por se separar através de um divórcio litigioso incendiado na praça pública.

Usufruindo de altos salários, os portugueses em áreas como bancos e empresas de telecomunicações nem sempre eram bem vistos por alguns funcionários dessas instituições. Era frequente, por isso, o clima de insatisfação entre profissionais angolanos que, tendo frequentado as mesmas universidades e sendo possuidores das mesmas competências, sentiam-se discriminados por serem relegados para posições subalternas.

Lopo do Nascimento, atual presidente do conselho geral da empresa, opôs-se à contratação preferencial de quadros portugueses

Em certas empresas, algumas escolhas contratuais chegaram mesmo a provocar laivos de xenofobia. “Em alguns casos, perdíamos o emprego a favor dos ‘tugas’ que, tendo as mesmas habilitações que nós, nunca se mostravam disponíveis para transmitir conhecimentos a quem deles necessitava. Mas, estranhamente, eram protegidos por gente angolana lá de cima”, conta Humberto de Almeida, um engenheiro angolano que, por essa razão, abandonou em 2015 uma das operadoras de telecomunicações de Angola.

Na Coba Angola, Lopo do Nascimento, atual presidente do conselho geral da empresa, opôs-se à contratação preferencial de quadros portugueses sugerida por Lisboa para priorizar o recrutamento no país de quadros locais. “Diziam-me que não havia quadros em Angola, mas consegui recolher, em duas semanas, diversas ofertas de engenheiros angolanos formados aqui, em Portugal, na Rússia, em Inglaterra e noutras partes do mundo”, explica aquele antigo dirigente do MPLA, também conhecido pela sua aversão ao “chip português”.

Ninguém duvida, no entanto, que alguns quadros portugueses trouxeram um lufada de ar fresco e uma gestão mais profissional dos bancos com uma estrutura acionista dividida entre Luanda e Lisboa, como o BFA, o Caixa Angola ou o antigo BESA. A influência estendia-se igualmente a bancos com capital maioritariamente angolano, como o BIC ou o Atlântico, ou algumas seguradoras como a Nossa ou a Tranquilidade.

Mas à força do dinheiro e com o desemprego à perna, muitos portugueses não se importavam de vir para Angola em situação migratória ilegal. Existiam alguns bancos em que, com a cumplicidade das respetivas administrações, muitos trabalhavam ao arrepio da lei. Para contornar o cerco do Ministério do Emprego e Segurança Social, perante a chegada inesperada dos inspetores deste organismo eram obrigados a refugiar-se nas caixas-fortes.

Os encarregados de educação mais abastados não se importavam de desembolsar 25 mil dólares por ano para terem os filhos a estudar no Colégio São Francisco de Assis

De Portugal não vieram apenas homens de fato e gravata. Atrelados a empresas de construção civil ou contratados para assegurar a gestão de empreendimentos industriais e agrícolas, novos emigrantes passaram a integrar o lote de passageiros da TAP ou da TAAG. E a bordo destas duas companhias aéreas vieram também pessoas a contas com a justiça, por alegado envolvimento em crimes de burla, fraude e de outra natureza. O caso mais mediático é o de Taveira Pinto, procurado pela justiça espanhola e portuguesa por suspeita de sobrefaturação em vendas de equipamentos espanhóis à polícia angolana.

O ensino servia para grandes negócios em algumas instituições e empresas portuguesas. Os encarregados de educação mais abastados não se importavam de desembolsar 25 mil dólares por ano para terem os filhos a estudar no Colégio São Francisco de Assis, da Teixeira Duarte, uma das instituições de ensino privado com preços mais altos no mercado. Indiferentes a isso, ainda lhes sobrava dinheiro para enviar a família todos os anos de férias para a Europa ou para os Estados Unidos.

Mas no final de 2015 a situação começava a dar preocupantes sinais de derrapagem. Alguns economistas, como o professor universitário Alves da Rocha, ao alertarem as autoridades para a necessidade de acionarem o travão de mão, começavam a ser mal interpretados. Ninguém os quis ouvir. Imparável, a elite angolana, segundo o semanário “Expansão”, em dezembro de 2015 colocava no estrangeiro mais dinheiro (29 mil milhões de dólares) do que o montante das reservas internacionais líquidas parqueadas no Banco Nacional de Angola no mesmo período — fixadas em 25 mil milhões de dólares.

De um ano para o outro, começaram a escassear, de forma lenta, as divisas nos bancos para pagamento de bolsas de estudo ou para assegurar o tratamento médico de angolanos no estrangeiro. As transferências para honrar compromissos salariais com residentes cambiais — portugueses e cidadãos de outras nacionalidades — começaram também a conhecer sinais de perigosa perturbação.

“A crise revelou que Angola não estava preparada para enfrentar este choque petrolífero”

As autoridades tentavam estancar a sangria mas já não era possível esconder as fragilidades estruturais da economia. “Há quatro meses que não consigo meter um tostão em Portugal”, queixava-se há um ano Victor Barradas, engenheiro de uma empreiteira portuguesa, responsável pela construção de um empreendimento habitacional na província de Huambo. Com o trambolhão do preço do barril de petróleo e as finanças públicas em coma, Angola começava a pôr a língua de fora.

“A crise revelou que Angola não estava preparada para enfrentar este choque petrolífero”, diz ao Expresso Júlio Bessa, economista afeto ao MPLA e antigo ministro das Finanças. E destapou a plasticina que servia de cobertor do poderio da Sonangol. As importações desceram a pique e no ano passado, segundo revelou ao Expresso Rui Moita, administrador do Conselho Nacional de Carregadores: com a entrada de 5 milhões de toneladas de carga diversa registou-se uma quebra de 51% de fluxo de mercadoria comprada no exterior comparativamente a 2014.

As receitas fiscais começaram a enfrentar uma depreciação anémica e a ‘dolarização’ da economia chegava ao fim. Como os demais depositantes em moeda estrangeiro, os portugueses não deixavam de sofrer na pele os efeitos da falta de liquidez dos bancos para poderem proceder às suas transferências bancárias para o exterior.

Com a implosão da crise cambial, agravada com a suspensão das relações entre os bancos locais e os bancos correspondentes no estrangeiro, a fonte dos dólares foi minguando até secar por completo. O carregamento em Angola de cartões de crédito em kwanzas, que permitia a muitas famílias levantar euros em Portugal, acabou por ser também atingido em cheio.

Parte dos salários pagos na moeda local, em acelerada desvalorização, sucumbia perante uma assustadora erosão do poder de compra e a vida de uma boa parte dos portugueses que emigraram para Angola nunca mais voltou a ser a mesma. Com a crise financeira a bater no fundo desde o segundo semestre do ano passado, depois de terem vindo de Portugal e apostado no mercado angolano há mais de dez anos, milhares de portugueses começaram então a fazer a viagem em sentido inverso.

Arménio Ferreira, natural de Famalicão, instalou uma pequena fábrica de cozinhas modernas em Viana, que durante anos lhe permitiu acumular pequenas poupanças para enviar para Portugal. “Sem meios para importar material e para manter a fábrica a funcionar, despediu o pessoal e foi obrigado a encerrá-la”, conta Cristóvão Duarte, vizinho de Arménio Ferreira. Em pior situação está Amadeu Soco que depois de ter investido numa pequena indústria paralisada há mais de meio ano, não sabe agora como pagar o empréstimo contraído junto de um banco em Portugal.

Outros tentam levar a vida como conseguem. Chegado a Angola há 28 anos para trabalhar para a Cometa e mais tarde para a Secil Marítima, Joaquim Moreno, decidiu fixar-se em Luanda onde acabou por constituir família. Findo o contrato com o Estado, montou a sua oficina e, “habituado a enfrentar os momentos maus de Angola leva hoje a vida sem pensar em Portugal”.

Em Benguela, a prosperidade dos portugueses detentores dos melhores restaurantes, agora às moscas, também chegou ao fim. “Não há dinheiro e o pouco que há, fica em Luanda”, explica um funcionário local das finanças. “Vão ter que esperar por melhores dias, mas sem água, sem luz e sem clientes, vai ser muito difícil regressar à primeira forma”, diz o consultor Amável Marcelo.

Quem não escapou aos estragos provocados pela crise petrolífera foram também os proprietários do Colégio de Benguela, cujas aulas, atingindo níveis de reconhecida excelência, são ministradas em 80% por jovens portugueses licenciados e contratados em Portugal. Classificado como um colégio da classe A, esta instituição assegurava o ensino a alunos de mais de seis nacionalidades (colombianos, portugueses, cubanos, brasileiros, espanhóis, italianos e outros) mas hoje é frequentada basicamente por angolanos.

Os pais da maioria das crianças estrangeiras abandonaram Angola e os professores portugueses, com salários em atraso há mais de seis meses, já advertiram que no final deste ano letivo regressam em bloco a Portugal. “Não suportam mais a dureza de uma situação que já levou um deles a ser internado para tratamento psiquiátrico”, revela um dos responsáveis do colégio.

Depois da explosão da construção civil, a crise que Angola vive abriu crateras monumentais igualmente no sector imobiliário. Luanda está pejada de modernas construções, para habitação e escritórios, completamente devolutas. Os seus proprietários encontram-se com a corda na garganta para conseguirem cumprir os empréstimos bancários. “A especulação imobiliária era uma das principais fontes de rendimento da maioria dos bancos mas, aflitos com altos níveis de crédito malparado, alguns abeiram-se da falência”, diz o economista Filipe Kamuenho.

Na baixa de Luanda acaba de ser erguido pelo China International Fund o edifício mais alto de Angola, com 35 andares, mas a sua ocupação está a ser fortemente afetada pela crise. “Vai ficar desocupado por tempo indeterminado, porque os clientes que se dispunham a arrendar os escritórios desistiram”, deixa escapar um agente imobiliário desta empresa, que pediu anonimato.

“Hoje é preciso ter sorte para arrendar uma residência aqui por mais do que 5 mil dólares em kwanzas”

No Morro Bento, José Guilherme, empresário português que se transformou no maior promotor imobiliário de Angola, possui um conjunto de edifícios habitacionais erguidos através de um empréstimo de mais de 330 milhões de dólares ao ex-BESA. Há mais de dois anos que não consegue arrendar ou vender um único apartamento. O mesmo sucede com as Torres situadas perto da Floresta do Kinaxixi, construídas por aquele empresário sempre com recurso ao crédito ao antigo banco de Ricardo Salgado em Angola, desta vez no valor de 160 milhões de dólares. Com arrendamentos que ascendiam a 15 mil dólares mensais, mais de metade das 100 residências do condomínio Atlântico, em Talatona, foram abandonadas pelos inquilinos, portugueses e estrangeiros de outras nacionalidades.

“Hoje é preciso ter sorte para arrendar uma residência aqui por mais do que 5 mil dólares em kwanzas”, revela um promotor imobiliário.

Devido à crise e à falta de recursos cambiais, muitos portugueses figuram no lote de mais de 55% de trabalhadores recentemente despedidos pelas concessionárias de automóveis por não terem meios para assegurar a importação de peças sobresselentes de modo a conseguirem garantir a assistência técnica às viaturas.

“Não se pode continuar a projetar o futuro do nosso país com um olhar complacente sobre o passado e o presente de corrupção, excesso de Estado e de burocracia e com uma insuportável carga tributária”, admite ao Expresso Jaime Freitas, banqueiro, principal acionista do grupo Cosal e um dos poucos empresários angolanos que continuam a assegurar o pleno emprego a mais de 50 portugueses que trabalham nas suas empresas.

“É difícil trabalhar num mercado que emite ordens de saque sem cobertura e em que, para assegurar o pagamento de dívidas do Estado, os prestadores de serviço quase são obrigados a adiantar uma comissão de 10% a 20% aos funcionários das finanças”, denuncia Raul Fernandez, um economista espanhol de uma empresa de consultoria.

Com o abandono de milhares de portugueses e de estrangeiros de outras nacionalidades, a circulação automobilística está agora a tornar Luanda uma cidade mais respirável. Percursos que eram feitos numa hora, como de Luanda a Viana, agora são percorridos em metade do tempo. O trânsito no centro da capital angolana está hoje igualmente desafogado.

Porque irrespirável continua a ser o estado exangue das finanças deste antigo eldorado, que está a levar muitos portugueses — e outros estrangeiros — a dizer adeus a um país cuja genética do regime nunca entenderam. Há cinco anos, Angola prometia vir a ser um gigante em África. E é-o, na verdade. Mas, vê-se agora, um gigante com pés de barro.

EXPRESSO

 

Last modified on Terça, 30 Mai 2017 19:06
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