Numa entrevista à agência Lusa, em Luanda, o autor de "Lágrima no Canto do Olho", 76 anos, recusou a ideia de ser propagandista - "não o fui no passado, não o sou agora" -, mas destacou que as ações de João Lourenço estão a ter "grande impacto" quer interna quer externamente.
"Se temos hoje o número um da política angolana, um novo presidente, que mudou, e está a fazer o que está a fazer, sentido pelos angolanos todos e pelo mundo, principalmente pelos países por onde já andou, as impressões que deixou tiveram um impacto tremendo", explicou.
José Adelino Barceló de Carvalho destacou que o impacto "não é o falado", mas sim o que "está a ser praticado em função daquilo que [João Lourenço] diz", realçando que é "realista, não propagandista", com base no que está a observar no país, fruto também das "dicas" de compatriotas que lhe vão dando conta das alterações.
"Dizem-me: 'agora estamos a sentir, pá, o homem está aí a falar sério e a realizar, com algumas dificuldades, pois estávamos habituados àquela cepa torta, em que não íamos a lado nenhum e o país estava a degenerar'", referiu.
Dois desses exemplos, disse, são as operações "Transparência" (de combate à imigração ilegal e de exploração selvagem de diamantes) e "Resgate" (para impor a autoridade do Estado em todo o país), que, apesar de terem sido organizadas pelo Governo, "é da responsabilidade de todos os angolanos".
"Quem não quer uma casa limpa, os filhos assistidos com medicamentos e na escola? Quem não quer o fim da fome e da precariedade? Todos nós queremos isso. E isso está a ser feito, o que é muitíssimo importante", assinalou, indicando que não interessa o tempo que vai demorar a mudar a mentalidade dos angolanos.
Trajando um "t-shirt" com a frase "Nunca desistas!", Bonga assumiu que, durante o período em que foi considerado como "maldito" para o regime de 38 anos do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, nunca desistiu, "mesmo em situações conturbadas".
"Esta terra é nossa, dos angolanos, por conseguinte, a terra de origem nunca pode ser abandonada. Nem pensar", frisou, lembrando que foi vítima de um regime à semelhança de milhares de outros.
"Qualquer que seja o passante das ruas, verifica-se que tem mágoas muitos grandes, de crianças que desapareceram, de grandes homens, da política, da literatura, da música e de outras artes, para não falar do anonimato, enfim, fez com que tivéssemos a tal 'lágrima no canto do olho', condoídos com esse sofrimento, com a colaboração e conivência de muitos estrangeiros que venderam para aqui armamento bélico e não só", afirmou.
Esses muitos estrangeiros, explicou, vieram porque Angola é uma terra "rica e apetecida" e "não porque gostavam dos angolanos, mas para fazerem o 'business' com lucros chorudos. Isso tem as suas consequências e é complicado quando está em causa um povo que lutou, teve a sua independência e viveu ainda com dificuldades. Isso é muito aborrecido e não há quem não sinta esta mágoa que trazemos no peito", notou.
Sobre se, aos 76 anos, tenciona regressar definitivamente a Angola, Bonga, cujo nome, Binga Kuenda adotou na adolescência, que apontou como o seu "verdadeiro eu", disse tratar-se de uma questão "complexa", mas admitiu que, se tudo continuar a evoluir no bom caminho, pode vir a pensar no assunto.
"Se a situação continuar como está, vamos pensar nisso. Não depende só de mim. Tenho um grupo com quem trabalho, que vive no estrangeiro, a minha família, os meus filhos, que nasceram no estrangeiro. Muitos em Angola fazem-me essa pergunta. Mas não posso vir a correr para fazer outro tipo de trabalho. Vivo da música e sou um exemplo nisto tudo. Os 40 e muitos anos de carreira significam uma vida profissional empenhada, que tem cabeça, tronco e membros. E continua porque continuo a ser solicitado", argumentou.
"Eu sou daqui, nascido aqui, nunca me esqueci daqui, nunca cortei o cordão do umbigo com a terra de origem. Por essa razão me gostam tanto, me gostam bué, me querem tanto", realçou.
José Adelino Barceló de Carvalho, natural da província de Luanda, estreou-se na música em 1972 com o álbum "Angola'72", ao qual se sucederam outros 39, entre eles cinco coletâneas e dois ao vivo.