O facto do Tribunal de Relação de Lisboa (TRL) ter dado razão ao recurso apresentado pelo Ministério Público português no caso "Tchizé" dos Santos, com base no novo acórdão, é visto como o início do fim da era de impunidade de dirigentes angolanos e seus próximos no que diz respeito aos seus negócios em Portugal.
A filha do Presidente angolano José Eduardo dos Santos é suspeita de branqueamento de capitais em Portugal. A 13 de novembro de 2016 o Tribunal Central de Instrução Criminal absolveu-a, declarando incompetência absoluta para investigar factos praticados por um cidadão de outro país, nomeadamente de Angola.
O assistente neste caso novamente em curso é o ativista e jornalista angolano Rafael Marques. A DW África entrevistou o jurista português Rui Verde, autor de um artigo sobre o caso no site Maka Angola.
DW África: Que alteração foi essa na legislação portuguesa que determina essa mudança de procedimentos?
Rui Verde (RV): A ideia é a seguinte: a pessoa comete um crime e apodera-se de dinheiro num país e depois vem lavar esse dinheiro em Portugal. Para haver um crime de branqueamento tem de haver um crime antes onde a pessoa obtém o dinheiro de forma ilegal. Até agora na jurisdição portuguesa havia o entendimento que se as pessoas eram corrompidas em Angola, mas não havia nenhum processo em Angola. E Portugal não ia julgar sobre o branqueamento uma vez que não havia processo em Angola. Não havia o primeiro crime e portanto não poderia haver o segundo. A grande diferença com este acórdão é que Portugal diz que mesmo que não haja investigação em Angola nós aqui podemos investigar tudo, uma vez que o dinheiro cá aparece e queremos saber de onde vem. Isto não é uma legislação, foi uma decisão de um tribunal superior que passou a interpretar a lei de maneira diferente.
DW África: Com esta decisão uma das principais portas de entrada de fundos ilícitos para a sua lavagem fecha-se a partir de agora para os angolanos, especialmente para as chamadas PEP, Pessoas Expostas Politicamente...
RV: Sim, porque agora qualquer pessoa pode fazer queixa delas em Portugal por branqueamento de dinheiro proveniente da corrupção. E os tribunais portugueses e o Ministério Público português são obrigados a investigar face a essa nova jurisprudência, e essas pessoas passam a correr um risco muito grande.
DW África: Este acórdão é válido a partir de agora e não abrange anteriores investimentos duvidosos, como por exemplo os que foram feitos por Isabel dos Santos na banca portuguesa?
RV: Pode abranger. O acórdão na lei portuguesa, não é como na lei inglesa ou na lei americana, não é propriamente uma lei, é uma orientação geral, digamos assim. Mas permite que o Ministério Público, havendo alguma queixa ou suspeita, investigue o que quiser no que diz respeito a qualquer investimento angolano dos últimos quinze anos, digamos assim.
DW África: Em relação à justiça portuguesa, pode-se esperar dela o cumprimento das suas funções na íntegra? Ou acha que as relações políticas entre Portugal e Angola podem influenciar os processos judiciais?
RV: Sabemos que sim, sabemos que os juízes têm sempre uma parte técnica e uma parte política. Até agora a magistratura judicial tem sido diferente para com Angola. Vamos ver agora se muda ou não. Se este acórdão mais a acusação no caso de Manuel Vicente indiciam uma mudança na atitude da magistratura? Talvez.
DW África: E a luz deste acórdão como avalia a situação do vice-presidente de Angola, Manuel Vicente?
RV: Começa a haver uma intenção clara na magistratura portuguesa de confrontar os líderes angolanos com as suas ilegalidades. Começa! Se acaba ou não ninguém sabe. Basta lembrar a triste intervenção do ministro Rui Machete há três anos quando foi a Angola desculpar-se das atividades do poder judicial português. Portanto, não sabemos quantos mais Machetes andam por aí.
DW África: Este acórdão não pode abrir precedentes nas relações diplomáticas entre os dois países, que já estão tensas?
RV: Certamente que tem de obrigar a uma reação angolana, porque caso contrário acaba-se o paraíso em Portugal.
DW África