A Unitel prepara-se para chamar a si o controlo da participação detida pela investidora angolana Isabel dos Santos na NOS, soube o Expresso junto de uma fonte acionista da maior empresa de telecomunicações móveis em Angola.
Esta ação está a ser desencadeada depois de a empresária ter visto o Tribunal Supremo das Ilhas Virgens Britânicas retirar o direito de voto e de representação da Vidatel — propriedade da filha do antigo Presidente angolano — nas assembleias-gerais da Unitel e o direito de receber dividendos passados e presentes, incluindo juros.
A decisão, assumida pelos demais acionistas, foi entregue a uma equipa de advogados portugueses, que intentou junto de um tribunal de Lisboa uma ação destinada a recuperar os 26,075% das ações detidas pela empresária na NOS.
“Todas estas ações foram compradas ao abrigo de um empréstimo feito pela Unitel à própria Isabel dos Santos, que nesta operação ferida de ilegalidade teve o descaramento de agir simultaneamente como credora e devedora”, disse ao Expresso Rafael Marques, ativista e investigador de inúmeros casos de corrupção em Angola.
De 2012 até 2013, de acordo com o contrato celebrado entre a Unitel e a JADEIUM — B.V.P. — designação inicial do veículo utilizado por Isabel dos Santos para receber os empréstimos —, foram feitos sucessivos desembolsos, num total de cerca de €329 milhões.
DE MÃOS ATADAS
“Desencadeado o processo de recuperação de ativos adquiridos no estrangeiro pela empresária com dinheiro da Unitel, já não se coloca a hipótese de se avançar para a redução da sua participação societária por via da compensação”, disse ao Expresso uma fonte da Geni, uma das acionistas da Unitel, liderada pelo general Leopoldino Nascimento.
De mãos atadas desde que, a 30 de dezembro de 2019, o Tribunal Provincial de Luanda decretou o arresto preventivo da sua participação, a colocação dos ativos da Vidatel sob a gestão de dois administradores indicados pelo tribunal britânico constituiu outro duro golpe para Isabel dos Santos.
“Em contrapartida, depois de ter atravessado momentos de grande turbulência, a Unitel conseguiu nos últimos dois anos pagar 75% da dívida contraída junto da OI, agora absorvida pela Mercury (Sonangol) ”, revelou fonte da petrolífera angolana.
Com a entrada em funções dos dois administradores judiciais indicados pelo tribunal britânico, espera-se que agora finalmente se obtenham consensos entre os acionistas, depois de a empresa ter tido durante muito tempo a gestão imobilizada.
QUADRO ADVERSO
Apesar do esforço de reabilitação da imagem em curso, a Unitel enfrentará um quadro macroeconómico desafiante, marcado por uma elevada taxa de inflação e consequente redução do poder de compra, subida vertiginosa do desemprego e crescentes dificuldades de acesso a moeda externa.
“É preciso ainda não esquecer que, para lá da redução das receitas por via da desvalorização, houve um agravamento em 511% dos custos de pessoal, acrescidos de custos do satélite pelo tráfego internacional, cujo roaming é pago em kwanzas pelos clientes mas suportado em dólares pela empresa”, lembrou um funcionário da Mercury.
Este quadro adverso acabou por ter um forte impacto na descida do EBITDA: em 2017 era de €660 milhões, em 2018 caiu para €250 milhões e em 2019 para €137 milhões. Fonte do INACOM — Instituto Angolano das Comunicações lembra também o aumento da concorrência previsto com a iminente entrada da Africell em Angola.
Com o ambiente agora mais desanuviado, e já sob o controlo da Mercury, a Unitel deixou de ter atrasos relevantes e os fornecedores estão a ser regularmente pagos, mas os novos investimentos dependem do seu maior acionista, a Sonangol.
A falta de recursos parece constituir, neste momento, o maior quebra-cabeças para a gestão da Unitel, que tem agora pela frente como principal desafio integrar a plataforma tecnológica 5G que os acionistas pretendem abraçar para inaugurar um novo ciclo no seu sistema de comunicações móveis.
“A Unitel terá ainda de conseguir junto do INACOM a atualização do preço dos serviços, compatibilizando-os com a inflação reinante em Angola, ao mesmo tempo que terá de se preparar para deixar de ser uma empresa de capital fechado”, admitiu fonte do Ministério angolano das Telecomunicações.