“A justiça foi feita” afirmou Arão Tempo, em declarações à agência Lusa, lamentando o excesso de prisão preventiva dos ativistas na fase judicial, por não ter sido exarado o despacho no prazo previsto, de oito dias.
“Para além disso, o Ministério Público, na sua acusação, indiciou sempre os réus do crime de rebelião, ultraje ao Estado e associação criminosa, [mas] chegado o dia de discussão e julgamento, a defesa demonstrou que um crime de rebelião era infundado, que não houve qualquer evento constitutivo da infração (…) por simples panfletos, mesmo que fossem colados, não podiam ser indiciados e acusados do crime de rebelião”, disse.
Para a acusação de ultraje, prosseguiu o advogado, não foram também provados elementos que constituíssem infração, e sobre a associação criminosa, Arão Tempo advogou que a própria Constituição da República confere direitos de liberdade de expressão, opinião e mesmo atividades políticas.
“Por fim, a juíza deu como não provados os crimes de que foram acusados, o que fundamenta a absolvição dos réus de instância”, sublinhou.
O causídico frisou que o Ministério Público recorreu da decisão de absolvição do Tribunal Provincial de Cabinda, conhecida no dia 21 de abril, pelo que vão aguardar reapreciação pelo Tribunal Supremo.
“No caso de que a resposta dê por infundados os crimes de que foram indiciados e acusados, aí, necessariamente haverá um procedimento de reparação das obrigações, uma indemnização”, disse.
Arão Tempo frisou que os magistrados do Ministério Público tiveram “uma motivação política” e “foram levados por emoção”, sem ter tempo de ter a liberdade de apreciarem a queixa que foi feita contra os réus.
“É necessário que um magistrado do Ministério Público, o garante da legalidade, tenha todos os elementos necessários para fazer uma apreciação profunda, antes de acusar, antes de promover um processo-crime. É uma pouca-vergonha para Angola que as pessoas sejam detidas de forma abusiva e ilegal, quando temos magistrados que já têm licenciatura, doutoramento, cursos, seminários e isso arrepia os conhecimentos que têm em matéria penal”, considerou.
O caso remonta a junho de 2020, quando três ativistas cívicos da província angolana de Cabinda, no norte do país, foram detidos e acusados dos crimes de rebelião, ultraje ao Estado e associação criminosa, tendo ficado em prisão preventiva até fevereiro deste ano, altura em que o Tribunal Provincial de Cabinda ordenou a sua libertação imediata, "por não haver razões justificativas para a prorrogação do prazo de prisão preventiva”.
Os réus Maurício Gime, de 31 anos, André Bônzela, de 29 anos, e João Mampuele, de 42 anos, foram naquela altura até ao julgamento obrigados a residir na província, a apresentarem-se no cartório judicial do tribunal todas as terças-feiras, às 10 horas, quinzenalmente, sem permissão para saírem da província se não tivessem autorização do juiz.
A pronúncia descrevia que no dia 28 de junho Maurício Gime e André Bônzela foram encontrados a colar panfletos A4, com os dizeres: "Abaixa as Armas, Abaixa a Guerra em Cabinda, Cabinda não é Angola, Queremos Diálogo, Viva Liberdade, Viva o Povo de Cabinda".
Segundo a pronúncia, André Bônzela, que se encontrava em posse de uma pasta, foi revistado e "foi encontrado no interior da mesma alguns panfletos A4 com o mesmo conteúdo daqueles que já estavam colados e cola branca, tendo por esta razão sido encaminhados para o SIC [Serviço de Investigação Criminal]".
"Quanto ao corréu João da Grança Mampuele, este foi encaminhado ao SIC em virtude de se ter encontrado na parede da sua residência um panfleto do mesmo movimento (UCI) [União dos Cabindenses para a Independência] e ainda no âmbito da busca e apreensão deste, foi encontrado e apreendido um telefone e cinco páginas com dizeres ("As Cinco Estratégias Maquiavélicas dos Inimigos de Cabinda para Acabar com as Tendências Independentistas e com a UCI Confiante em Deus, Unidos Venceremos! Viva o Diálogo, Vina a Justiça e Viva a Liberdade!"; (ONU Reconhece o Conflito em Cabinda - José Marcos Mavungo)", referia a pronúncia.
Maurício Gimbi é o líder da UCI, organização política criada em 2018, sendo vice-presidente André Bônzela, enquanto João Mampuela é o diretor do gabinete do presidente.