"É preferível ser stakeholder [parte interessada] do que shareholder [acionista]" de um jornal. "É melhor ser sponsor do jornal, ser amigo do jornal e eu gosto dessa amizade, gosto de manter essa coisa." A receita dada, há dois anos, numa entrevista à Televisão Pública de Angola (TPA), pelo empresário angolano Álvaro Sobrinho esteve quase a ser posta em prática naquele que seria o novo jornal Sol, mas que acabou por se chamar apenas Novo Semanário Original e Livre.
Na posse da marca Sol, em nome do offshore Pineview, o empresário angolano cedeu-a sem contrapartidas financeiras ao consultor e acionista da sociedade Lapanews, Rui Teixeira dos Santos (diretor do antigo jornal Semanário), mas o texto do contrato, a que a SÁBADO teve acesso, revela que, caso o acordo avançasse, o jornal ficaria impedido de escrever notícias controversas sobre o empresário angolano e até mesmo obrigado a "zelar" pelo seu bom nome.
Ainda que ressalvando que "sem prejuízo da liberdade de imprensa", o acordo de cedência da marca Sol, assinado a 12 de novembro de 2020 entre Álvaro Sobrinho e Rui Teixeira dos Santos, é claro ao referir que este último ficaria comprometido a "zelar pelo bom nome, honra e reputação" da Pineview, "abstendo-se de fazer quaisquer publicações cuja veracidade não se encontre devidamente comprovada e/ou que possam pelo seu conteúdo colocar em causa o bom nome e reputação" da sociedade offshore.
Isto faria com que os jornalistas ficassem impedidos, por exemplo, de dar conta de desenvolvimentos na investigação do processo BES/Angola, no qual a Pineview é suspeita de ter beneficiado de milhões de dólares em transferências ordenadas pelo próprio Álvaro Sobrinho enquanto CEO do banco. Contactado pela SÁBADO e questionado sobre se tal cláusula não podia ser lida como limitadora da liberdade de imprensa, Rui Teixeira dos Santos respondeu negativamente. "Sou professor de Direito e sei bem o que está escrito", acrescentou, dizendo não querer comentar mais o assunto. Apesar de a cedência da marca ter decorrido de forma gratuita, Rui Teixeira dos Santos e Álvaro Sobrinho obrigaram-se a "guardar sigilo" das "negociações que precederam a respetiva celebração" do acordo.
Certo é que a existência de tal cláusula é um dos factos apresentados numa queixa-crime que deu entrada no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) contra Álvaro Sobrinho, o irmão deste, Sílvio Madaleno, Rui Teixeira dos Santos e os outros sócios da empresa Lapanews, assim como os diretores do jornal Novo, Octávio Lousada Oliveira e Diogo Agostinho.
Os autores da queixa, Mário Ramires, diretor do jornal Nascer do Sol, o antigo Sol, e a empresa Newsplex alegam terem sido burlados por Álvaro Sobrinho e pelos atuais detentores da marca Sol, uma vez que não só a marca Sol não foi passada para a esfera da Newsplex, que ficou a explorar os jornais Sol e i após a saída de Álvaro Sobrinho, como também o empresário angolano não terá cumprido com um financiamento de 2,5 milhões de euros para assegurar a edição de ambos os jornais.
Ao mesmo tempo, a Newshold, antiga dona dos jornais que entretanto abriu falência, também terá deixado dívidas à Segurança Social, que agora procura cobrá-las junto de Mário Ramires.
De acordo com informações recolhidas pela SÁBADO, a administração da Lapanews, desconhecia o teor do acordo de cedência da marca entre Teixeira dos Santos e Álvaro Sobrinho. A empresa acabou por desistir da edição de um novo jornal Sol, até porque não obteve autorização da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, optando por sair para as bancas com o título Novo. Também o diretor do jornal Novo, Octávio Lousada Oliveira, declarou à SÁBADO ter conhecimento de que a Lapanews é "detentora do direito de exploração da marca Sol", porém diz ser "alheio a qualquer decisão relativa à utilização da marca, bem como a qualquer eventual acordo de natureza não editorial.