O processo visando Paulo de Morais tem por base considerações públicas que o dirigente da Frente Cívica produziu sobre a compra de um vestido de noiva e outros artigos para o casamento da filha do atual vice-presidente angolano, em 2014, e que terão custado mais de 200 mil dólares, o equivalente a 172.600 euros, num país “em que há gente a morrer na rua de fome e de doença”.
“Ao dar público conhecimento [do que soube relativamente ao casamento da filha do 'vice' angolano], o arguido agiu dentro do âmbito das suas preocupações, empenhamento e actividade de luta contra a corrupção”, afirma a juíza de instrução Cristina Malheiro, no seu despacho de não-pronúncia.
Paulo de Morais tinha sido alvo de uma acusação particular dos visados, secundada pelo Ministério Público (MP), mas não se conformou, requerendo a instrução do processo para evitar a sua ida a julgamento.
No debate instrutório, o advogado Paulo de Moura Marques, que representa o vice-presidente de Angola e a sua filha, Naulila, acusou Paulo de Morais de ter enveredado pela “ofensa gratuita”, ultrapassando os limites da liberdade de expressão.
Já o advogado de Paulo de Morais, Carlos Cal Brandão, pediu à juíza que despronunciasse o arguido, ou seja, que optasse por não o levar a julgamento, dizendo que parte da prova foi levada ao processo sem respeitar as normas legais e argumentado que o seu cliente agiu no quadro da defesa do interesse público, visando apenas figuras públicas e recorrendo ao seu direito de liberdade de expressão.
“E tudo o que disse o arguido, embora com variações, está claramente demonstrado nos autos”, acrescentou, citando reportagens televisivas que não terão sido desmentidas e que, portanto, Paulo de Morais “tomou como a verdade”.
A tese foi parcialmente acolhida pela juíza de instrução.
“Face ao conteúdo de todas estas publicações, ao facto de as mesmas serem públicas e de não se conhecer qualquer reação dos assistentes às mesmas”, o arguido expressou as suas opiniões “convencido, como ainda está, de que tudo quanto publicou e disse corresponde à rigorosa expressão da verdade”, afirma a magistrada judicial no seu despacho.
A juíza diz ser “público que o regime de governo da República de Angola tem em si graves problemas em vários campos, no político, no social, no económico - questões, que sempre foram conhecidas e comentadas, tornaram-se muito mais evidentes e públicas com a divulgação do dossier conhecido como Luanda Leaks”.
Também são públicas e conhecidas, acrescenta, “as más e pobres condições em que vivem as classes mais desfavorecidas da população angolana. É perante este contexto que o arguido (...) se pronunciou”, sem que transparecesse “qualquer comentário xenófobo e preconceituoso”.
Assim, “nos termos dos arts. 307.º e 308.º do Código de Processo Penal, decide-se não pronunciar o arguido (...) pela prática de dois crimes de difamação com publicidade e agravada previstos e punidos pelos artigos 180.º, n.º1, 182.º, 183.º, n.º2 do Código Penal”, conclui o despacho de não pronúncia, que imputa ao vice-presidente angolano e a à filha, enquanto assistentes no processo, o pagamento das custas, no valor de 204 euros.
A magistrada recusou, porém, a "nulidade de insuficiência de inquérito", pretendida pela defesa de Paulo de Morais, pois "não existe qualquer omissão de acto obrigatório a ser realizado na fase de inquérito"; ou seja, foi feito tudo o que a lei impunha nessa fase processual.
Paulo de Morais chegou a classificar Naulila como “a nova princesa de Angola”, numa comparação com a empresária Isabel dos Santos, filha de Eduardo dos Santos, conhecida como a "princesa de Angola" e visada no processo "Luanda Leaks".
As observações de Paulo de Morais que deram origem ao processo "Vestidos de noiva" centram-se em janeiro de 2020, numa rede social e num canal televisivo, sendo posteriormente reafirmadas, apesar dos pedidos dos queixosos para que se retratasse.
Ao contrário, o dirigente da Frente Cívica portuguesa reafirmou as considerações tecidas na sua página oficial da rede Facebook: "Os factos que revelo nestas comunicações que tenho feito sobre o assunto são objetivos, comprováveis. As opiniões que eu emito sobre esses factos, emito-as no uso de um direito constitucional, que é o meu direito de liberdade de expressão. Não altero, retiro ou acrescento nada ao que disse”.
Além de líder da Frente Cívica, Paulo de Morais é professor universitário, cofundador da Transparência e Integridade, antigo candidato à Presidência da República portuguesa e foi vice-presidente da Câmara do Porto de 2002 a 2005.