Benja Satula falava à Lusa sobre o recente mandado internacional de captura a pedido da Procuradoria-Geral da República contra a empresária angolana Isabel dos Santos, à margem da Conferência Nacional do Sindicato Nacional dos Magistrados do Ministério Público, na qual foi um dos oradores.
Para o advogado, existem outras formas de resolver este problema, defendendo que está a haver “uma abordagem de política criminal um pouco distorcida”.
“Porque, ao mesmo tempo que se está a levar uma proposta de lei de amnistia ao parlamento, em simultâneo, emite-se um mandado de captura internacional contra um cidadão. Do ponto de vista de racionalidade dogmática de política criminal são coisas que não combinam e por isso mesmo fico sem perceber a lógica, a racionalidade e a eficácia”, sublinhou.
De acordo com o docente, a sociedade não precisa estar eufórica, “porque o Ministério Público já emitiu outros [mandados de captura internacional] e não conseguiu trazer ninguém”.
“Justamente porque a lógica, a leitura que se faz do Ministério Público e da sua estrutura em Angola, é uma estrutura que qualquer pessoa no exterior se pode defender dizendo que não tem autonomia, isto é um processo político, recebe orientações diretas do titular do poder executivo, e por isso barra a vinda da pessoa”, frisou.
O advogado realçou que qualquer processo em instrução preparatória implica notificação do arguido para se fazer presente para ser interrogado, tendo Isabel dos Santos, em sua defesa, alegado que nunca foi ouvida ou notificada e que as autoridades conheciam as suas moradas.
“Ela diz que não, que não o fez, é a defesa que ela tem, é um direito que o arguido tem de ser ouvido, direito à presença, à palavra, à defesa, é um direito fundamental. As autoridades também disseram, em contrapartida, que tinham feito muitas tentativas de localização e não conseguiram, eu acho que estamos aqui com um processo com uma troca de impressões desnecessárias e dispensáveis”, considerou.
Benja Satula defendeu que os processos deveriam ocorrer em segredo de justiça, em vez de “guerras de palavras”, que acha desnecessárias, mas que "pode o momento político ditar”.
“De facto, o processo penal, quanto mais rápido for investigado melhor, se nós levarmos tempo a investigar, claramente temos muito mais dificuldades em rastrear, em descobrir as provas, juntar provas, para poder condenar nos termos de um processo justo e equitativo”, afirmou.
A Interpol emitiu um mandado de captura internacional para extradição em nome de Isabel dos Santos, a pedido da PGR de Angola, que é procurada por suspeitas dos “crimes de peculato, fraude qualificada, participação ilegal em negócios, associação criminosa e tráfico de influência, lavagem de dinheiro”, incorrendo numa pena máxima de 12 anos de prisão.
Sobre o caso concreto do ex-vice-Presidente de Angola Manuel Vicente, o advogado disse que é preciso também colocar a euforia de lado, por algumas razões, uma delas, o facto de o seu processo ter começado em Portugal.
“Não podemos estar muito eufóricos, eu trabalho nisso e não posso estar muito eufórico, por uma razão muito simples: o engenheiro Manuel Vicente está a ser acusado por um processo que começou em Portugal, é um processo de corrupção. Ora, o processo de corrupção, dependendo de quando é que ele aconteceu, está amnistiado. A lei da amnistia de 2016 amnistiou todos os processos de corrupção”, sublinhou.
Benja Satula realçou ainda que, não sendo corrupção, em Portugal o antigo vice-Presidente angolano não podia ser acusado de peculato.
“Se não é corrupção, se não é peculato, esta proposta de ei [da amnistia] que vai ser apresentada também amnistia os processos que não são de peculato e não são de corrupção, principalmente quando a corrupção não aconteceu em Angola”, notou.
“Então, é euforia a mais, não precisamos ter euforia a mais, temos de compreender que as pessoas que governam têm oportunismo político para passar uma mensagem (...) é fundamental que se passe a mensagem, não só mensagem, mas que se efetive o combate à criminalidade de qualquer natureza, por maioria de razão, a criminalidade cometida por titulares de cargos públicos, cargos de direção e chefia, cargos políticos”, acrescentou.
Manuel Vicente esteve protegido pela lei angolana de imunidade para titulares de cargos públicos, que limita essa proteção a cinco anos após o fim do exercício de funções, prazo que expirou em setembro.
Em 2018, o processo-crime iniciado em Portugal, conhecido como "Operação Fizz", em que o ex-vice-Presidente angolano era acusado de ter corrompido o procurador português Orlando Figueira, causou uma crise diplomática entre os dois países, que ficou resolvida depois de o caso relativo a Manuel Vicente ter sido transferido para Angola.