Adesacreditação foi a primeira e única resposta que os habituais disseminadores de contrainformação ligados ao MPLA encontraram para lidar com a notícia de que o antigo vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, está a escrever a sua versão da história sobre a entrada da Sonangol no BCP ocorrida em 2007.
No mesmo dia em que começaram a espalhar pelo Whatsapp a página do Radar África com o carimbo “fake news”, o procurador-geral da República de Angola, Hélder Pitta Gróz, recuperou o adormecido processo de Manuel Vicente, que Portugal transferiu para Luanda depois do “irritante” identificado pelo presidente da República, João Lourenço.
A tensão diplomática entre Angola e Portugal devido à Operação Fizz, também conhecida como o “irritante”, foi ultrapassada em novembro de 2018 após a justiça portuguesa ter decidido enviar para Luanda o processo do ex-vice-presidente do país, Manuel Vicente.
A “notícia falsa” - nunca desmentida pelo visado, isto é, Manuel Vicente – tirou a PGR da letargia, transmitindo a nítida sensação de que as declarações de Pitta Gróz foram um aviso ao ex-vice de Angola e antigo líder da Sonangol para que se mantenha em silêncio. Isto é, a causa, o livro de Manuel Vicente, teve uma consequência, a reação da PGR. “O processo existe, veio de Portugal, já constituído, não se trabalhou no processo porque tivemos aquele tempo em que havia imunidade. Tendo passado esse tempo, naturalmente, temos de trabalhar” , declarou Pitta Gróz.
A justiça retaliatória
O encadeamento dos factos remete para a tese de que existe um comportamento retaliatório da justiça, a qual age (ou reage) ao sabor dos acontecimentos, sendo que neste caso pretenderá tolher as intenções de Manuel Vicente, ainda que as revelações do antigo número dois de José Eduardo dos Santos possam ser mais prejudiciais para os protagonistas portugueses da entrada da Sonangol no BCP do que para os intervenientes angolanos.
Este comportamento da justiça é um dos falhanços do consulado de João Lourenço, o qual transformou o combate à corrupção na sua principal bandeira governativa. O poder judicial, fundamental para a prossecução deste objetivo, revelou-se um campo minado pelas práticas que é suposto identificarem e condenarem.
Esta análise encontra fundamento nos casos de Exalgina Gâmboa e de Joel Leonardo. A ex-presidente do Tribunal de Contas (TC) de Angola foi constituída arguida por suspeita de crimes de peculato, extorsão e corrupção no final do mês de março e chegou mesmo a pedir ajuda à primeira-dama, Ana Dias Lourenço, para evitar o seu afastamento do cargo.
Na passada semana, a reputação da justiça desceu ainda mais degraus, após a PGR ter revelado uma conversa telefónica entre o presidente do Tribunal Supremo (TS), Joel Leonardo, e o seu sobrinho, major Silvano António Manuel, na qual este informa o tio sobre a operação que visava extorquir seis milhões de dólares ao antigo ministro dos transportes, Augusto da Silva Tomás, em troca de liberdade. A 17 de março, os juízes conselheiros do TS já tinham aprovado uma deliberação onde pediam o afastamento do presidente do órgão Joel Leonardo, enquanto decorre a investigação da PGR às denúncias e acusações de corrupção e peculato que pesam sobre ele. Jornal de Negócios