A reação à decisão governamental, há muitos anos defendida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) tem data marcada: ativistas e membros da sociedade civil angolana convocaram para 17 de junho uma manifestação nacional para protestar contra a subida dos preços do combustível, o fim da venda ambulante e a proposta de lei das organizações não-governamentais.
Os temas, sobretudo o aumento da gasolina devido à retirada parcial das subvenções aos combustíveis, têm suscitado, nos últimos dias, protestos e confrontos com a polícia em várias províncias angolanas, que resultaram em pelo menos cinco mortos e dezenas de feridos e detidos.
“Isto é incompetência. Não se governa desta maneira”, disse à Lusa Cláudio Silva, analista angolano que acusa o poder político de não ter considerado o “enorme desgaste da população angolana e a enorme pressão a que está sujeita com a subida de preços, com o aumento da inflação, com os problemas sociais, com a baixíssima popularidade do Presidente e do partido”.
“Era completamente previsível”, defendeu.
A decisão do Presidente, João Lourenço, em deixar de subsidiar os combustíveis fez com que de um dia para o outro, desde dia 02, o litro de gasolina em Angola passasse a custar 300 kwanzas (0,48 euros) contra os anteriores 160 kwanzas (0,25 euros).
Cláudio Silva acrescentou que o partido no poder desde a independência do país, em 1975, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), receou os efeitos do fim da subvenção estatal nas eleições de 2022.
“O problema, infelizmente, foi que por vários motivos políticos, principalmente as eleições, o MPLA não se viu com capital social nem se viu com competência suficiente para eliminar os subsídios de forma faseada. Não faz qualquer tipo de sentido, teve medo. Teve medo, sim. Recearam”, considerou.
Para Vasco Martins, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, não é novidade “a falta de sensibilidade no executivo angolano”.
“A comunicação do Estado com a população é demasiado frágil e a esmagadora maioria da população não tem acesso às comunicações ou então não confia naquilo que vem do Governo angolano, o que é também um problema de comunicação. Ou seja, as medidas são postas em práticas às vezes com pouco aviso prévio”, destacou.
O investigador notou que “a economia angolana é uma economia profundamente extrativa, leia-se o petróleo, mas também algumas pedras preciosas e outro tipo de materiais, mas sobretudo matérias-primas”.
“O que significa que a esmagadora maioria da população angolana fica completamente isolada economicamente e a única forma que tem de ter algum tipo de sobrevivência, já não falo sequer em mobilidade social, é de facto entrar por aquilo que nós comummente chamamos de mercado paralelo. Portanto, um mercado informal, não oficial”, explicou.
“[O ex-presidente angolano] José Eduardo dos Santos já tinha dito que não há nenhum angolano que viva única e exclusivamente com o salário”, recordou Vasco Martins, o que leva à “ideia de que a pequena corrupção e informalidade que reina no país é aceite politicamente”.
Estes dois fatores fazem com que a ideia de que há uma economia de renda muito extrativa e depois um mercado informal, “onde há importação e exportação de bens e como todos os bens são importados para Angola e são vendidos de forma muitas vezes informal - porque Angola não os produz -, significa que a dependência da comunicação em termos de mercado de Angola é muito claramente rodoviária”, reforçou.
“E, portanto, [a] comunicação de transacionar bens, de vender é total, o que significa que qualquer aumento do combustível vai ter um impacto absurdo, absurdo naquilo que é a economia das pessoas no seu dia-a-dia”, acrescentou.
Cláudio Silva defende ainda que os subsídios acabaram sempre por beneficiar mais a classe mais abastada.
“Porque é a que tem os maiores carros, com mais capacidade de combustível. É uma classe média, média alta que não sente na pele, necessariamente, os efeitos de continuarmos a gastar vários milhões de dólares por ano neste subsídio em detrimento de outras prioridades muito mais importantes, como, por exemplo, saúde, educação”, sublinhou.
A mesma ideia é defendida por Vasco Martins, que relacionou a importância dos combustíveis para a maioritária faixa da população angolana “muito pobre, que trabalha sobretudo no setor dos transportes, sobretudo nos setores informais”.
“Uma parte substancial destas pessoas são, aliás, pessoas que foram reintegradas depois da guerra mas não têm, não tiveram acesso à educação. Portanto, das poucas coisas que conseguem fazer é de facto este serviço de transporte”, explicou.
“Muitos não têm carta, muitos não têm cartão de cidadão ou não têm qualquer registo das suas viaturas, o que significa que, primeiro a acessibilidade e fragilidade em relação a qualquer tipo de medida oficial e que é posta em prática pela polícia e, portanto, que é averiguada pela polícia já é grande para estas pessoas, ficam sem capacidade de fazer valer a sua economia. Em segundo lugar, porque precisamente, é sempre no setor dos transportes”, afirmou.
O investigador lamentou que, “normalmente, quando há este tipo de políticas mais nefastas nos setores de transporte, há sempre tendencialmente mais violência”.
“Lamentavelmente, é precisamente a atuação das forças de segurança que muitas das vezes também têm historicamente desde há muito, desde a independência, uma forma porventura leviana, de uso da violência, que gera cada vez mais violência”, salientou.
Para o analista angolano Albino Pakasi, “há aqui uma questão” que é preciso ter em conta: “O povo está insatisfeito”.
“O meu entendimento é de que não vai haver aqui nenhuma coisa de ‘Primavera Árabe’. Não vai haver isso porque o povo angolano sabe o que é a guerra. O que há é uma falta de competência do Governo. Sim, somos um país que exporta petróleo, mas na verdade não usufruímos daquilo que é o petróleo, não é? Nós pagamos tudo. O povo. O povo pagador. Não pode ser assim”, reforçou.
“Eu não quero ser dramático mas [a situação] está um bocadinho complicada. Está muito pesada. Eu não quero diagnosticar o futuro, mas o futuro é um bocadinho difícil aqui em Angola. O futuro é pesado. É grave e gravíssimo, porque realmente Angola não está como devia estar”, concluiu Pakasi.