Se for eleito Presidente de Angola nas eleições desta quarta-feira, João Manuel Gonçalves Lourenço será empossado Chefe de Estado aos 63 anos − (quase) o dobro da idade que José Eduardo dos Santos tinha quando foi escolhido pelo bureau político do MPLA para suceder a Agostinho Neto. O peso ou a força dos anos são por si só um garante de que o general João Lourenço, o ex-ministro da Defesa indigitado pelo partido do poder para suceder a José Eduardo dos Santos, terá um ‘reinado’ mais curto do que o seu antecessor.
A seu favor tem o facto de ser considerado um homem “consensual” no interior do MPLA, menos exuberante na ostentação de riqueza, e que até aqui nunca esteve envolvido em nenhuma investigação por crimes de corrupção, que já beliscaram a imagem de várias figuras da hierarquia angolana, como foi o caso de Manuel Vicente, que chegou a ser apontado como o sucessor certo de José Eduardo dos Santos.
Antes do general João Lourenço ser o homem escolhido pelo MPLA para se candidatar às eleições presidenciais de 23 de agosto, houve vários nomes que chegaram a ser apontados como sucessores de José Eduardo dos Santos. Lourenço foi aceite pelas restantes fações do MPLA? Essas outras correntes sentem-se representadas?
João Lourenço é um candidato consensual em diversas fações [do MPLA], que vão das mais ortodoxas às camadas mais jovens.
O que é que motiva esse consenso?
Ele tem conseguido construir uma carreira, que de alguma forma é discreta. Tem passado incólume em relação a várias investigações que já foram abertas, e que envolveram nomes como Manuel Vicente, que chegou a ser dado como sucessor [certo] de José Eduardo dos Santos.
O que quer dizer com carreira discreta? A imprensa tem falado na fortuna acumulada por ele e pela mulher....
É um homem bem considerado nos meios civis e militares. Faltam-me dados para poder falar sobre a acumulação de riqueza, mas enquanto militar João Lourenço tem um perfil diferente de outros militares próximos de José Eduardo dos Santos, como os generais Kopelika e Dino Fragoso. A mulher de João Lourenço, Ana Dias Lourenço, foi ministra do Planeamento.
A atuação dele enquanto ministro da Defesa foi decisiva para ganhar credibilidade nos meios civis?
Contribuiu.
A questão da discrição enquanto qualidade está a fazer-me lembrar que essa era uma das (boas) características apontadas a José Eduardo dos Santos quando sucedeu a Agostinho Neto...
José Eduardo dos Santos era jovem, discreto por comparação com outros líderes africanos, como era o caso de Mobutu [entre outros], estava em fase ascendente no interior do partido e não recaíam sobre ele quaisquer suspeitas de corrupção.
O facto de Lourenço ser menos exuberante na ostentação de riqueza do que outros homens ou familiares próximos de José Eduardo dos Santos é uma esperança de transição e mudança?
Se ele quiser ser um Presidente de transição tem de dialogar com as instituições políticas, com a sociedade civil e com o grupo de jovens descontentes: 70% da população angolana são jovens que vivem nas cidades e têm acesso às redes sociais. E esse acesso às redes fez com que pudessem assistir à compra de um relógio, em leilão e por 500 mil dólares, por um dos filhos do Presidente José Eduardo Santos....
Os jovens descontentes são um grupo muito maior do que aqueles que conhecemos, como Luaty Beirão?
Muito maior.
Os herdeiros políticos e os herdeiros reais de Eduardo dos Santos poderão vir a levantar obstáculos à governação de Lourenço, se este for eleito?
Não creio que vá haver uma rutura com o sistema clientelar. Isabel dos Santos continuará à frente da Sonangol, Filomeno dos Santos no Fundo Soberano, Ana Paula dos Santos [mulher do atual Presidente] vai ser deputada, Tchizé dos Santos está no Bureau Político do MPLA...
Não havendo rutura com as clientelas, vai ser uma mudança na continuidade. Quase uma primavera marcelista, mal comparando....
Com o clã Dos Santos colocado e os generais também, talvez a história nos dê uma transição [política].
Há elementos que permitam saber como e se irão votar os mais de nove milhões de eleitores que estão recenseados? Como se vão distribuir esses votos pelas outras cinco forças políticas?
Faltam-nos dados que permitam saber quais são as intenções de voto dos angolanos. Estou com muitas expectativas de que esta eleição seja uma janela de mudança com abertura ao diálogo; mas haverá continuidade.
Expresso \ Manuela Goucha Soares