“Apetite de empresas portuguesas por Angola tem aumentado”

Post by: 06 Junho, 2023

A linha de financiamento de Portugal para Angola passou de 1,5 mil milhões de euros para dois mil milhões. João Traça garante que se ela crescer ainda mais os empresários vão aproveitar.

O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola (CCIPA) classifica como "excelentes" as relações bilaterais e sublinha que há um novo ciclo de crescimento económico em Angola e mais concorrência para as empresas portuguesas.

Que temas gostaria de ver abordados nesta deslocação de António Costa a Angola e porquê?

Creio que no contexto de uma deslocação de um primeiro-ministro, o tema chave a abordar para promover as parcerias empresariais entre empresários angolanos e portugueses acaba por ser sempre o mesmo: mais financiamento, simplificação de processos na obtenção dos financiamentos e diversificação dos tipos de investimentos que podem ser objeto desses financiamentos (por forma a cobrir projetos de diversas dimensões e diferentes durações). Angola tem um grande futuro, o qual já foi identificado por outros países e que está na base de muitos dos acordos que tem estabelecido com outros países, tais como a Espanha ou França.

É necessário que todos estejamos de acordo de que passará a haver mais concorrência para a realização de parcerias entre empresas portuguesas e angolanas e que vai ser necessária muita imaginação e resiliência para se concorrer neste contexto. Obviamente que há outros assuntos que os dois Estados podem discutir e que certamente contribuiriam para o incremento das parcerias empresariais entre os dois países, tais como a capacitação de profissionais, a criação de novos mecanismos bilaterais de facilitação de investimentos, a emissão de vistos, entre outros. Mas estamos perante relações entre dois Estados soberanos e, como tal, cada um deles tem um limite quanto aos temas que pode e deve abordar ou negociar perante o outro.

Como classifica o atual estado das relações bilaterais?

Tanto quanto sabemos, presentemente, o estado das relações bilaterais é excelente.

A resolução quase total do problema da dívida levou mais investimentos portugueses para Angola? Ou ainda há questões a resolver neste particular?

Temos verificado um aumento do “apetite” das empresas portuguesas por Angola, mas há ainda um longo caminho a percorrer tendo em conta o potencial que existe para a criação de parcerias. É necessário que as empresas portuguesas compreendam que Angola está no início de um novo ciclo de crescimento económico. A título de exemplo, quando no ano passado convidámos o governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José Lima Massano, para ser orador num evento em Portugal, fizemos o que estava a nosso alcance para mudar a perceção do estado da economia angolana. Mudar perceções é um caminho não linear e todos deveremos contribuir para ele. Esta visita do primeiro-ministro certamente que contribuirá para este objetivo.

Há um novo ciclo da economia angolana? Como é que o caracteriza?

Claramente. Um novo ciclo de crescimento económico. Os analistas são melhores a explicar as variáveis geopolíticas (desde a guerra da Ucrânia à eleição de Biden ou Lula), mas o que é facto é que muitos países estão a estabelecer fortes relações económicas com Angola. Ou seja, o crescimento verificado não é um mero crescimento “orgânico”. É um crescimento fortemente alimentado por investimento estrangeiro e que está muito vocacionado para a diversificação da economia angolana. Projetos como o Corredor do Lobito ou as linhas de transporte de energia em construção ou em vias de construção, vão desenhar um novo mapa para a localização de várias atividades produtivas, com naturais impactos na demografia e produtos exportados.

“Vai haver mais concorrência para a realização de parcerias entre empresas portuguesas e angolanas. Será necessária muita imaginação para se concorrer neste contexto.”

“Convidamos os empresários portugueses a investir nos nossos solos férteis para que, numa primeira fase, Angola se possa tornar autossuficiente na produção de alimentos. Convidamos também a investir na agroindústria, na indústria têxtil e de vestuário, na farmacêutica, no turismo, na educação, na saúde, nas pescas ou na cons

trução”, disse o ministro da Economia, Manuel Nunes Júnior, recentemente. Como é que isto se materializa?

As empresas portuguesas gostam de trabalhar em Angola com as empresas angolanas e estão presentes em quase todos os setores da economia angolana (exceto, provavelmente, no setor petrolífero onde não há ‘know-how’, nem tradição). A materialização das palavras do ministro pode acontecer não apenas nestes setores, mas também em muitos outros. A lista dos elementos necessários para que se materialize pode ser sintetizada em dois: disponibilização de financiamento aos empresários e estabilidade das políticas.

O reforço da linha de financiamento para Angola de 1,5 mil milhões para dois mil milhões euros é suficiente, ou é necessário um novo reforço?

Os empresários portugueses que acreditam no futuro de Angola são, felizmente, muitos e muito ambiciosos. Se a linha for maior, certamente que mais empresários a ela vão recorrer. Dizendo

por outras palavras, se aos empresários portugueses forem criadas linhas com maiores valores, sem dúvida que eles as aproveitarão. Pode parecer uma resposta óbvia, mas o ponto a reter é que o financiamento é um elemento absolutamente essencial em projetos internacionais e a sua não existência limita substancialmente o que os empresários podem fazer.

“O que o Estado recebe no curto prazo é o menos relevante. Mais importante que boas ou más privatizações, o importante é que elas tenham lugar.”

Angola ainda é um país atrativo para as empresas portuguesas?

Claro que sim. As empresas portuguesas possuem uma capacidade única de desenvolver parcerias com empresas angolanas. Não é apenas a língua. Não é apenas o facto de os sistemas legais serem parecidos. Não é apenas o facto de existirem acordos bilaterais em matéria de tributação (convenção para evitar a dupla tributação) e proteção recíproca de investimentos. Não é apenas o facto de existirem ainda muitas relações familiares e pessoais entre pessoas dos dois países. É, acima de tudo, a capacidade de resiliência e de acreditar sempre no futuro no normal contexto das dificuldades de uma economia emergente. Eu gosto sempre de dizer que Angola será sempre um país atrativo para as empresas portuguesas, pois em mais nenhum lado do mundo o investimento português é tão acarinhado.

Como avalia o processo de privatizações em Angola?

Peço desculpa da redundância, mas o processo de privatizações é um “processo”. Trata-se de um processo que no longo prazo vai trazer muitos benefícios a Angola. No curto prazo são receitas, mas no longo prazo são empresas que entraram no setor privado, reduzindo o peso do setor empresarial do Estado. É uma mudança importante com grande impacto no ecossistema empresarial. Certamente que a economia portuguesa teria um menor desenvolvimento se não tivesse realizado tantas privatizações no final do século XX. O mesmo se dirá de Angola daqui a umas décadas.

Ou seja, o que o Estado recebe no curto prazo é talvez o ponto menos relevante do processo. Mais importante que boas ou más privatizações, o importante é que elas tenham lugar.

O repatriamento dos lucros mantém-se como um obstáculo à atração de investimento estrangeiro?

Formalmente o regime de repatriamento foi alterado por forma a incentivar o investimento direto estrangeiro, mas o que é facto é que por vezes o processo de repatriamento não decorre ao ritmo esperado. Há muitos motivos para estas situações, em alguns dos casos estas questões estão relacionadas com as políticas e práticas dos bancos comerciais. Obviamente que estas situações causam frustração juntos dos investidores porque o repatriamento acaba por não ocorrer nas datas inicialmente esperadas. Trata-se de um risco a incorporar no modelo de negócio.

O comportamento da moeda angolana, o kwanza, agora em queda, é um risco?

Não nos parece. O BNA, com o apoio do FMI, tem seguido uma gestão muito rigorosa da sua política cambial. E certamente que a mesma irá trazer muitos resultados positivos para a economia de Angola e, indiretamente, para os empresários.

Jornal de Negócios

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