O crédito foi concedido apesar das dúvidas e do parecer condicionado da Direção-Geral de Risco (DGR), mas com condições bastante mais apertadas do que as que foram aplicadas ao crédito original de Joe Berardo junto do banco público, três anos antes.
Em 2006, a Caixa emprestou 350 milhões de euros à Fundação José Berardo para a compra de ações do BCP contra uma promessa de penhor sobre as próprias ações, sem aval pessoal. As garantias cobriam 105% do crédito.
Já a Isabel dos Santos, em 2009 considerada a mulher mais rica de África e uma das mais ricas do Mundo, a Caixa exigiu garantias que “consistem no penhor financeiro das ações adquiridas, num depósito a prazo (no valor inicial de 14,425 milhões de euros), a remunerar em condições de mercado, e o aval da Engª Isabel dos Santos, consubstanciado numa livrança subscrita pela Kento [Holding Limited, sociedade do Grupo Fidequity detido por Isabel dos Santos] e avalizada pela própria [Isabel dos Santos]”. As condições vêm descritas num relatório relatório do Banco de Portugal (BdP), realizado em 2011, sobre os créditos da CGD, citado pelo Correio da Manhã.
Ainda de acordo com o jornal, que cita uma fonte próxima de Isabel dos Santos e também o presidente da Caixa da altura, Faria de Oliveira, o crédito estará a ser pago sem quaisquer incumprimentos. “Todas as obrigações foram cumpridas e estão a ser cumpridas”, afirmou a fonte próxima da empresária angolana. “O crédito está em dia, e grande parte já foi amortizado”, salientou.
Já Faria de Oliveira, na altura presidente da Caixa e atualmente presidente da Associação Portuguesa de Bancos (APB), afirmou que este “não é tema em relação ao qual esteja levantado o segredo bancário e não tenho conhecimento que haja incumprimentos”.
O relatório do BdP dá conta que “os fundamentos” para o empréstimo à Kento Holding Limited não estavam em linha com uma prática prudente para a concessão de crédito. “Os fundamentos considerados para a concessão do crédito em apreço, assentes essencialmente nas garantias associadas por indisponibilidade de informação sobre a situação financeira do mutuário [Isabel dos Santos], não são compatíveis com uma prática prudente de concessão de crédito”.
Caixa aprovou sem ter avaliado a capacidade financeira de Isabel dos Santos
Foi com o empréstimo da Caixa que Isabel dos Santos, em conjunto com outros fundos, comprou ações representativas de 10% do capital social da Zon (atual NOS). “Os vendedores destes títulos foram a própria CGD (2%), a Cinveste (3,43%) e a Zon (4,57% de ações próprias)”, explica o Correio da Manhã.
O responsável máximo da DGE na altura, José Pedro Cabral dos Santos – já ouvido este mês na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral – explicou ao Banco de Portugal o racional por detrás da operação. “A CGD reduziria a sua exposição na Zon, uma vez que venderia ações dessa empresa; a Zon alienaria títulos próprios a um preço que garantiria à CGD, enquanto acionista, mais-valias; e a Cinveste, detida pelo coronel Luís Silva, comprometia-se a usar a receita da venda das ações da Zon na amortização de responsabilidades com a emissão de papel comercial”, escreve o jornal, citando o relatório.
Cabral dos Santos considerou que “a capacidade financeira dos acionistas da Kento era confortável” e que “as garantias apresentadas eram consideradas suficientes”, sobretudo a “qualidade” das garantias: “existência de aval pessoal da Engª Isabel dos Santos” e “um depósito [a prazo] obrigatório para reforço da garantia real [as ações]”.
Ainda assim, o Banco de Portugal não ficou convencido quanto ao risco. “A análise de risco constante do processo, elaborada pela DGR [Direção-Geral de Risco], consistiu, sobretudo, na análise da situação da Zon, apontando o parecer no sentido de uma sindicância do empréstimo solicitado pela Kento, com a justificação de que a CGD já tinha um envolvimento significativo com a Zon e que não se encontrava disponível qualquer informação que permitisse avaliar a capacidade financeira da Engª Isabel dos Santos”.
A DGE da Caixa justificou a aprovação da operação por considerar que “tinha conhecimento” das participações Isabel dos Santos detinha em diversas empresas”. “As informações disponíveis eram muito abonatórias em relação à sua capacidade financeira”, indicou ao BdP.