Em um comunicado lido na televisão nacional, na capital Ouagadougou, Traore disse que um grupo de oficiais que ajudou Damiba a tomar o poder em janeiro decidiu destituir seu líder devido à sua incapacidade de lidar com a crescente insurgência islâmica. Damiba havia deposto o ex-presidente Roch Kabore em janeiro, em parte pelo mesmo motivo.
A constituição burkineonse foi suspensa e a carta de transição dissolvida, as fronteiras estão fechadas indefinidamente e todas as atividades políticas e da sociedade civil estão suspensas. Foi declarado um toque de recolher das 21:00 às 05:00, horário local.
“Infelizmente, nosso ideal comum foi traído pelo nosso líder tenente-coronel Paul-Henri Sandaogo Damiba em quem depositamos toda a nossa confiança. Com efeito, a deterioração da situação de segurança que justificou nossa ação foi relegada a segundo plano em favor de infelizes aventuras políticas", afirmou o oficial Kiswensida Farouk Aziz Sorgho, ao ler o comunicado na TV.
"Longe de libertar os territórios ocupados, as áreas outrora pacíficas ficaram sob o controle de grupos armados terroristas. Nosso valente povo já sofreu o suficiente e ainda está sofrendo", disse Sorgho.
"Diante da deterioração da situação, tentamos várias vezes fazer com que Damiba reorientasse a transição para a questão da segurança", disse o oficial.
Segundo o documento, o antigo líder rejeitou as propostas dos oficiais para reorganizar o exército e manteve a estrutura militar que levou à queda do regime anterior. "As ações de Damiba gradualmente nos convenceram de que suas ambições estavam se desviando do que nos propusemos a fazer. Decidimos, neste dia, remover Damiba", afirmou.
As partes interessadas do país serão convidadas em breve a adotar uma nova carta de transição e designar um novo presidente civil ou militar.
Burkina Faso se tornou o epicentro da violência realizada por grupos ligados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico que começou no vizinho Mali, em 2012, e se espalhou para outros países da África Ocidental ao sul do deserto do Saara.
Desde então, milhares de pessoas foram mortas em ataques a comunidades rurais e milhões foram forçados a fugir. Esta semana, pelo menos 11 soldados morreram em um ataque no norte de Burkina Faso. Dezenas de civis ainda estão desaparecidos.
O golpe de sexta-feira cria uma situação difícil para o bloco político da África Ocidental, a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), que tentou persuadir os líderes golpistas na região a retornarem ao governo civil o mais rápido possível. A organização suspendeu os burkineonses após o golpe de janeiro, mas, desde então, concordou com uma transição de dois anos de volta às eleições democráticas.
"A Cedeao reafirma sua oposição sem reservas a qualquer tomada ou manutenção do poder por meios inconstitucionais", afirmou a organização, em comunicado. "[Exigimos] respeito escrupuloso pelo cronograma já acordado com as Autoridades de Transição para um retorno à ordem constitucional o mais tardar em 1º de julho de 2024."
Outros três países da África Ocidental e Central sofreram golpes em pouco mais de dois anos:
Mali
Um grupo de coronéis malianos liderados por Assimi Goita destituiu o presidente Ibrahim Boubacar Keita em agosto de 2020. O golpe ocorreu após protestos antigovernamentais na capital, Bamako, e outras regiões, contra a deterioração da segurança, eleições legislativas contestadas e alegações de corrupção.
Na ocasião, sob pressão dos vizinhos, a junta militar concordou em ceder o poder a um governo interino liderado por civis, que foi encarregado de supervisionar uma transição de 18 meses para eleições democráticas em fevereiro de 2022.
Meses depois, entretanto, os líderes do golpe entraram em confronto com o presidente interino, o coronel aposentado Bah Ndaw, e arquitetaram um segundo golpe em maio de 2021. Goita, que então atuava como vice-presidente interino, virou presidente.
O governo de Goita anunciou que pretendia adiar as eleições em até cinco anos, provocando sanções da Cedeao que paralisaram a já frágil economia do Mali. O bloco suspendeu algumas das sanções em julho, depois que os governantes militares do país propuseram uma transição de dois anos para a democracia e publicaram uma nova lei eleitoral.
Chade
O exército do Chade assumiu o poder em abril de 2021, depois que o presidente Idriss Deby foi morto no campo de batalha enquanto visitava tropas que lutavam contra rebeldes no norte do país.
Sob a lei chadiana, o presidente do parlamento deveria ter se tornado presidente da nação. No entanto, um conselho militar interveio e dissolveu o parlamento afirmando que isso garantiria a estabilidade.
O filho de Deby, general Mahamat Idriss Deby, foi nomeado presidente interino e encarregado de supervisionar uma transição de 18 meses para as eleições. A transferência de poder levou a tumultos na capital, N'Djamena, mas os protestos foram contidos pelos militares.
Guiné
O comandante das forças especiais, coronel Mamady Doumbouya, depôs o presidente Alpha Conde em setembro de 2021. Um ano antes, Conde havia mudado a constituição para contornar os limites que o impediriam de concorrer a um terceiro mandato.
Protestos tomaram conta da capital, Conacri, e deoutras regiões, mas Doumbouya tornou-se presidente interino e prometeu uma transição para eleições democráticas dentro de três anos.
A Cedeao, contudo, rejeitou o cronograma e impôs sanções aos membros da junta e seus parentes, incluindo o congelamento de suas contas bancárias. Em julho, o bloco regional deu à Guiné até 22 de outubro para estabelecer um cronograma "razoável", ou enfrentar sanções adicionais. GLOBO