Cerco de João Lourenço estendeu-se às ilhas Maurícias para congelar contas de sócio do filho de Eduardo dos Santos
Este foi o veículo de fachada criado pelo filho mais velho do antigo Presidente angolano, José Filomeno dos Santos, e liderado pelo sócio José Pontes, para alegadamente levar a cabo a tentativa de burla que agora culminou na constituição de ambos e do antigo governador do BNA, Valter Filipe, como arguidos, com termo de identidade e residência e interdição de saída de Angola.
Aquele montante foi disponibilizado em três tranches, sendo que uma delas, de 2,43 milhões de dólares, se refere “à prestação de serviço para elaboração de um estudo exaustivo da realidade económica e financeira do país”, acabou por ser alvo de um duplo pagamento. Uma outra tranche, de 11.725 milhões de dólares, destinava-se a pagar “o serviço de apoio técnico à constituição de um Fundo de Reserva Estratégico”.
“O dinheiro transferido não representa senão uma comissão sobre serviços que nunca foram executados”, disse ao Expresso um alto funcionário do Ministério das Finanças de Angola.
A operação foi encaminhada para a conta nº 4008 7159 6300 de um banco correspondente do BNA, o Comerzbank, de Frankfurt, que por sua vez transferiu aqueles montantes para o banco português.
“Há um consórcio de escritórios de advogados ingleses e portugueses a encetar todas as diligências junto das autoridades portuguesas e em breve esperamos chegar a um acordo para teremos também esse dinheiro de volta”, garante fonte do Conselho de Ministros.
Disposto a não deixar a culpa morrer solteira, o Presidente João Lourenço, regressado ao país após uma visita privada aos Estados Unidos, deu de imediato instruções ao Ministério das Finanças para divulgar um comunicado em que implica, de forma demolidora, o papel de José Eduardo dos Santos em todo este esquema.
“É um claro aviso de que não está para brincadeiras e de que pretende ir até ao fim com esse processo”, adverte uma fonte do gabinete de João Lourenço.
Mas os avisos do Presidente angolano não se circunscrevem a esta milionária tentativa de burla que atingiu em cheio os cofres do BNA. E, apesar de a recuperação dos 500 milhões de dólares, segundo alguns juristas, poder vir a atenuar a sanção pelo crime, o fim do caso continua a não deixar dormir descansados alguns dos seus protagonistas.
Perante o descaminho de parte dos 5 mil milhões de dólares aplicados pelo Estado no Fundo Soberano de Angola, que era dirigido desde 2012 pelo filho do antigo Presidente, João Lourenço decidiu na semana passada estender o cerco às ilhas Maurícias.
Neste território, Jean-Claude Bastos de Morais, empresário suíço-angolano e sócio de José Filomeno dos Santos, montou uma intrincada engenharia financeira à volta daquele dinheiro. Para o sucesso desta cruzada, o ministro angolano das Relações Exteriores, Manuel Augusto, foi portador de uma carta assinada por João Lourenço para o primeiro-ministro Pravind Jugnauth em que aquele solicita o congelamento de várias contas pertencentes a Jean-Claude Bastos.
Estimadas em 206 milhões de dólares, estas contas estão sustentadas com recursos que terão sido alegadamente desviados do Fundo Soberano a partir do momento em que aquele empresário passou a ser o gestor da instituição através do seu grupo Quantum Global.
“Mandatado por José Filomeno dos Santos, transformou-se no dono e senhor absoluto do Fundo, e com o decorrer do tempo trocou as voltas ao sócio, que lhe perdeu completamente o rasto”, diz a mesma fonte do Ministério das Finanças.
Com base na Lei da Recuperação de Ativos das ilhas Maurícias, o congelamento das contas resulta de uma ordem judicial emitida pelo juiz do Supremo Tribunal Chan Kan Cheong, na sequência de um pedido do procurador-geral Nursimloo Agi.
A diligência encetada agora ao mais alto nível do Governo angolano surge na sequência de sucessivas recusas de Jean-Claude Bastos em deixar de movimentar as contas domiciliadas naquela ilha depois de ter recebido uma notificação da nova administração do Fundo.
“Ao remeter de forma sobranceira o assunto para os seus advogados, Jean-Claude tem assumido uma atitude que representa uma verdadeira afronta ao Estado”, disse ao Expresso fonte governamental.
Novos embaraços judiciais parecem, entretanto, esperar outro dos arguidos do “caso dos 500 milhões de dólares”: o antigo governador do BNA.
Na Procuradoria-Geral da República, segundo apurou o Expresso, correm processos que indiciam a alegada participação de Valter Filipe e de outros antigos administradores do BNA em ilícitos referentes a operações de importação de bens, sobrefaturação na compra de residências para a instituição e transferência de divisas resultante de operações que deveriam ser executadas em moeda nacional. “Tudo não passava de um esquema de ladrões que, aqui ou nas ilhas Maurícias, tinha inevitavelmente de acabar na Justiça”, denuncia o jornalista e ativista Rafael Marques.
O Expresso contactou Jean-Claude Bastos de Morais e Valter Filipe mas não obteve resposta até ao fecho desta edição. Expresso