Três bancos portugueses, BCP, BPI e Banif, foram usados para o pagamento de subornos a quadros da petrolífera angolana Sonangol, efetuados entre 2005 e 2008 pela SBM Offshore, uma empresa sediada na Holanda cujo capital é inteiramente detido pela SBM Holding, com domicílio fiscal na Suíça.
Entre os quadros que receberam pagamentos da SBM consta o nome de Baptista Sumbe, o qual foi vice-presidente da Sonangol Shipping Holdings e, mais tarde, em 2012, presidente do conselho de remunerações e previdência do BCP, proposto pela petrolífera.
O caso foi investigado pela justiça helvética a partir de uma denúncia feita em 2016 e o seu desfecho foi conhecido em outubro do ano passado. O Tribunal Penal Federal de Bellinzona condenou Didier Keller, CEO da SBM Holding à data dos factos, a uma pena suspensa de dois anos de prisão a que o réu não se opôs, até porque se reconheceu culpado do crime de corrupção ativa de quadros públicos estrangeiros.
Em causa estavam várias transferências daquela empresa, “especializada em conceção, fabrico e comercialização de sistemas e equipamentos marítimos para a indústria do petróleo e do gás”, para quadros da petrolífera no valor total de 6.836.400 dólares, contabilizadas pela justiça suíça. O objetivo da SBM era o de ser favorecida nos concursos para os projetos de exploração petrolífera Kizomba C e Greater Plutonio.
Manuel Vicente, que à data liderava a Sonangol, não é citado como tendo recebido essas verbas, mas as autoridades suíças, na acusação condenatória, apontam para a possibilidade de o gestor ter tido conhecimento dos atos, reportando-se a um encontro ocorrido em 2001.
“Na sequência de uma reunião agendada (pelo arguido) para assegurar que as ‘comissões’ exigidas por Baptista Muhongo Sumbe (braço-direito do presidente do conselho de administração) beneficiariam a Sonangol, Didier Keller foi criticado por Manuel Vicente (...) por não confiar nos seus relatórios diretos, sem mais explicações”, refere-se no despacho que o réu reconheceu.
Todos os pagamentos realizados pela SBM aos quadros da Sonangol foram feitos em dólares e consumados através de transferências do JP Morgan Chase Bank, no Reino Unido, diretamente para as três instituições financeiras portuguesas referidas.
Bancos não se pronunciam
O BCP e o BPI, questionados pelo Negócios sobre se tiveram conhecimento da condenação e se tomaram ações para averiguar a situação ou se o vão fazer, dizem não se poder pronunciar sobre o caso. O BCP “não pode responder às perguntas colocadas, porquanto a legislação em vigor o impede de comentar publicamente a forma como em determinados casos cumpriu os seus deveres, designadamente, de exame das operações e de comunicação, sendo que a violação daquele dever de sigilo constitui a natureza de um ilícito criminal”, afirma fonte oficial.
Também o BPI sustenta que “não pode nem deve fazer comentários sobre pessoas concretas e situações concretas”. Já o Banco de Portugal optou por não responder às perguntas.
A acusação do tribunal suíço descreve, exaustivamente, as dezenas de transferências. Por exemplo, entre janeiro de 2006 e o mesmo mês de 2008, a SBM Holding fez cinco depósitos na conta da offshore panamiana Mardrill no BCP de valores semelhantes, 938,4 mil dólares em janeiro de 2006, 923,1 mil em julho de 2006, 938,4 mil em janeiro de 2007, 923,1 mil em julho de 2007 e 938,4 mil em janeiro de 2008. Ou seja, em dois anos, passaram 4,6 milhões de dólares pelo BCP para uma única beneficiária, a Mardrill. De acordo com a acusação, os pagamentos à Mardrill tinham como destinatário final Baptista Sumbe, o qual à data dos factos era vice-presidente da Sonangol Shipping Holding e CEO da Sonangol USA.
A Sonangol entrou no capital do BCP a 5 de junho de 2007, data em que comunicou à CMVM deter uma participação qualificada de 2% no banco. Baptista Sumbe foi presidente do conselho geral de remunerações e previdência do BCP de fevereiro de 2012 até 2014, indicado pela Sonangol, a qual atualmente possui uma participação de 19,44% no banco.
Na sua acusação, a justiça suíça sublinha que “os atos de corrupção de que Didier Keller é culpado são graves” e tinham como finalidade “a celebração e execução de contratos por parte da SBM em Angola”. “Através das suas repetidas ações culposas, Didier Keller minou a objetividade e imparcialidade do processo decisório do Estado em Angola”, depois de ter percebido que “este Estado é notoriamente afetado pela corrupção endémica que tem repercussões económicas e sociais desastrosas”. O arguido “reconheceu os factos alegados contra si no contexto do presente processo” e “forneceu explicações detalhadas para as suas próprias ações”, permitindo “ajudar no avanço e no início de outras investigações relacionadas”, adianta o tribunal.
O longo historial de multas da SBM
A SBM Offshore tem um historial de envolvimento em atividades ilícitas para benefício próprio, o qual teve o seu último capítulo com a pena de prisão aplicada a Didier Keller.
Assim, em novembro de 2014, a SBM Offshore acordou pagar, junto das autoridades holandesas, uma multa de 240 milhões de dólares por “atos de suborno de funcionários públicos estrangeiros cometido entre 2007 e 2011, particularmente em Angola”, mas também em outros países, casos do Brasil, Guiné Equatorial, Cazaquistão e Iraque.
Três anos depois, a mesma empresa e uma sua subsidiária norte-americana acordaram pagar à justiça dos Estados Unidos 238 milhões de dólares pelos mesmos crimes, cometidos entre 1996 e 2011.
Neste caso que teve como epicentro a Sonangol e cuja sentença foi conhecida em outubro de 2020, Didier Keller, além da pena suspensa por dois anos, aceitou pagar uma multa de 480 mil dólares. Jornal de Negocios