Por Filomeno Manaças
A bem dizer, o que a lei aprovada encerra como solução, e que resulta de uma proposta do Executivo que sofreu melhorias na sequência de discussões realizadas na Assembleia Nacional, está em sintonia com a promessa feita durante a campanha eleitoral pelo cabeça-de-lista do MPLA.
À João Lourenço cabe o mérito de, durante esse período, ter sido o único candidato a avançar com a proposta de legislar no sentido de as fortunas de angolanos no exterior serem repatriadas para contribuir para criar riqueza nacional, posição que mais tarde reiterou em diferentes ocasiões. Por isso, foi com naturalidade que vimos o Executivo fazer chegar ao Parlamento a sua proposta de Lei de Repatriamento de Recursos Financeiros Domiciliados no Exterior do País.
Na esteira deste facto político, a UNITA não quis ficar atrás e tratou, também ela, de tomar a iniciativa de produzir o projecto de Lei do Regime Extraordinário de Regularização Patrimonial.
Os dois documentos estiveram em discussão na Assembleia Nacional e é de enaltecer o exercício de democracia, feito pelos deputados dos diferentes partidos políticos, no sentido de verem as suas posições e as das formações que representam prevalecerem sobre as demais. E, como em democracia a maioria é quem manda, foi a iniciativa do Executivo que acabou por recolher mais votos: 133 a favor, 65 contra da UNITA, CASA-CE e PRS, e uma abstenção, da FNLA.
Colocando de parte o ruído causado pela batalha política que se instalou à volta do tema, de resto compreensível, não é possível ignorar olimpicamente que a lei aprovada representa uma solução inteligente.
Numa altura em que o país precisa de recursos financeiros para reaquecer a economia, numa altura em que as dificuldades por que passamos exige a mobilização de todas as forças vivas, é preciso olhar para a lei de forma mais objectiva (e menos imediatista e emotiva) para perceber o seu grande alcance.
Fácil se torna entender, na estratégia do Executivo, ao propor uma lei a ser aplicada em duas fases (uma de repatriamento voluntário e outra coerciva), um sentido de razoabilidade política e, ao mesmo tempo, de pedagogia na abordagem da questão, sem que isso signifique um recuo nas suas posições ou, até mesmo, de beneplácito à impunidade.
Foram claras as explicações do presidente do grupo parlamentar do MPLA, Salomão Xirimbimbi, sobre a moldura do repatriamento quer numa quer noutra fase.
Na fase voluntária, disse, “os recursos vêem em nome dos donos que os transferiram, mas não vão ser eles a utilizar o dinheiro. Este vai ser utilizado para equilibrar a balança de pagamentos. Eles serão donos, mas não vão dispor do dinheiro”. Mais importante, ainda nesta fase, é que a lei diz que, depois da transferência do dinheiro, se se constatar que o mesmo resulta de um crime que está tipificado, o caso será encaminhado às instâncias judiciais, o que afasta liminarmente a ideia de que o diploma visa proteger capitais obtidos e transferidos de forma ilícita.
Aliás, seria uma injustiça afirmar que todo o capital de nacionais que se encontra domiciliado no exterior foi obtido de forma ilícita. É preciso dizer que Angola abriu-se à economia de mercado em 1991.
Na fase de repatriamento coercivo, disse o deputado, “o dinheiro será propriedade do Estado. Será do Estado e será empregue em programas e projectos sociais”.
Interessava à UNITA, na qualidade de apresentadora de uma das propostas, e aos partidos da oposição em geral, transformar a discussão do assunto no Parlamento numa batalha política. E é legítimo que os partidos da oposição procurem capitalizar, para si, todas as oportunidades que tenham e, por via disso, somarem ganhos políticos e verem a sua quota de simpatia na sociedade crescer. A opção foi, por isso, tanto para a UNITA como para as demais formações, enveredar para um discurso radical, de considerar, na essência, ilícito todo o capital.
Radicalismo por radicalismo não teríamos chegado até onde chegamos. Não teria havido o 4 de Abril de 2002. Um processo de transição política não precisa necessariamente de ser tumultuoso. O país fica melhor servido se as decisões forem sempre tomadas de forma equilibrada, racional e olhando sempre para o interesse supremo nacional e a garantia da paz social.
Por discutir está, entretanto, a questão dos dinheiros que a UNITA tem lá fora. Até há bem pouco tempo a abordagem parecia ser um tabu. Os dirigentes da UNITA já vieram a terreiro dizer que o partido não tem dinheiro lá fora. A verdade é que ninguém de bom senso acredita nisso. Até porque a UNITA, antes mesmo das eleições gerais de 92, apostou fortemente no garimpo de diamantes. JA