É muito raro uma carreira militar ser uma espécie de auto-estrada para a riqueza financeira. A não ser que seja possível juntar a força das armas a uma influência política ao mais alto nível. Foi precisamente isso que aconteceu ao general Leopoldino Fragoso Nascimento, mais conhecido por ‘Dino’, pela sua proximidade ao ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos.
No tempo da reconciliação nacional angolana e de um crescimento económico que chegou aos 23% anuais após o fim guerra civil, as relações com o Presidente Eduardo dos Santos permitiram a ‘Dino’ entrar numa espécie de troika que controlava ou influenciava os negócios mais importantes do país. Nada se fazia sem Manuel Vicente, o todo-o-poderoso presidente executivo da petrolífera pública Sonangol; o general Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’, chefe da Casa Militar do Presidente; e ‘Dino’, claro. Eram os três “funcionários mais poderosos de Angola”, segundo escreveu o Financial Times em 2012.
Afinal, quem é este especialista em telecomunicações que se transformou num bilionário e voltou agora a estar em destaque nos jornais portugueses por ter visto o tribunal angolano que apreendeu as contas e as participações sociais de Isabel dos Santos citá-lo como tendo feito uma transferência de 10 milhões de euros, alegadamente como intermediário da filha de Eduardo dos Santos? Quais são os seus principais negócios? E como conseguiu construir a sua fortuna?
Militar com uma fortuna de mil milhões (e apontado como testa-de-ferro de Eduardo dos Santos)
Não há propriamente uma biografia escrita sobre a história da vida do general ‘Dino’. O pouco que se sabe sobre o seu percurso é através daquilo que vai sendo publicado em notícias que o envolvem a ele e à família Dos Santos ou a investigações que colocam em causa os negócios do general. Ou, ainda, a informações que constam nos sites das empresas com as quais está relacionado. Por exemplo, no site do Cochan — um grupo económico com investimentos na agro-indústria, distribuição, energia, imobiliário e transportes, fundado pelo general, em 2009.
Leopoldino Fragoso do Nascimento nasceu em Luanda a 5 de junho de 1963, mas foi para a Europa de Leste para se formar no tempo em que o MPLA era marxista-leninista e ainda existia a União Soviética. Licenciou-se em Engenharia de Telecomunicações na Universidade de Veliko Tarnovo, na Bulgária, em 1988, e começou a avançar em duas frentes: na carreira militar e na área dos negócios.
Entrou para o Exército em 1989. Foi também nessa altura que terá começado a dar os primeiros passos na sua carreira como empresário, arrancando com negócios de venda de produtos alimentares, transportes (por exemplo, táxis) e, mais tarde, equipamentos de telecomunicações — a sua área de formação. Ao fim de uma década de carreira militar, em 1999 tornou-se general — para cinco anos depois se aposentar.
A sua carreira castrense terminou no topo da hierarquia do regime de José Eduardo dos Santos, ao ocupar o cargo de consultor do ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do ex-Presidente da República angolano.
O general ‘Dino’ tornou-se também um dos principais homens de negócios em Angola, tendo mesmo sido apontado como testa-de-ferro de José Eduardo dos Santos em vários artigos do jornalista Rafael Marques, publicados no portal de investigação Maka Angola. A sua fortuna pessoal chegou mesmo a ser avaliada pelo Maka Angola em mais de mil milhões de dólares (cerca de 900 milhões de euros ao câmbio de hoje). Tem cinco herdeiros diretos.
A proximidade com José Eduardo dos Santos
Foi a sua formação académica em engenharia de telecomunicações que lhe permitiu ascender ao inner circle de José Eduardo dos Santos. O sucesso militar conseguido com os seus conhecimentos de comunicações, primeiro nas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, o braço armado do MPLA na guerra civil, e depois nas Forças Armadas de Angola, nascidas após o primeiro processo de paz de 1991, foi preponderante para, numa primeira fase, ganhar a confiança do general ‘Kopelipa’.
Depois entrou no Palácio Presidencial e de lá nunca mais saiu enquanto José Eduardo dos Santos foi o inquilino. A confiança construída entre ambos era tanta que o general ‘Dino’ era dos poucos a ter autorização para entrar na residência oficial do ex-Presidente, localizada na Cidade Alta, até às duas da madrugada.
‘Zedu’, como José Eduardo dos Santos também é conhecido, não fazia nada em termos de comunicações sem ter o aval de ‘Dino’. Por exemplo, sempre que o então Presidente angolano precisava de ter conversas reservadas com Vladimir Putin ou outros chefes de Estado com quem tinha relações próximas, era ‘Dino’ quem assegurava pessoalmente a segurança (e privacidade) da linha de telecomunicações.
Quando as Forças Armadas Angolanas localizaram o líder da UNITA em Lucusse, na província do Moxico, terá sido através do general 'Dino' que José Eduardo dos Santos foi informado de que havia condições militares para eliminar Savimbi — operação à qual 'Zedu' deu luz verde.
Outro exemplo de proximidade está relacionado com a morte de Jonas Savimbi em fevereiro de 2002. Quando as Forças Armadas Angolanas localizaram o líder da UNITA em Lucusse, na província do Moxico, terá sido através do general ‘Dino’ que José Eduardo dos Santos foi informado de que havia condições militares para eliminar Savimbi — operação à qual ‘Zedu’ deu luz verde. Foi o fim da guerra civil angolana e o início de um processo de reconciliação nacional.
O negócio de uma vida
2010 terá sido um ano que o general ‘Dino’ nunca esquecerá. Em setembro foi nomeado consultor de ‘Kopelipa’, ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente da República. Mas, mais importante do que isso, a sua empresa Cochan comprou uma participação de 15% na Puma Energy International — uma subsidiária da multinacional Trafigura, que também era participada pela própria Trafigura em 48,4%, e pela Sonangol em 30%, que vendia combustível em mais de 30 países através de 1.500 bombas de gasolina e que criou uma rede de postos de venda em Angola sob a marca Pumangol. Só a participação de ‘Dino’ estava avaliada em 750 milhões de euros, segundo a Foreign Policy.
A Trafigura, por seu lado, fornecia a Angola praticamente todo o gasóleo e gasolina que o país precisava — um valiosíssimo monopólio avaliado em 2018 em cerca de 3,4 mil milhões de euros, devido à reduzida capacidade de refinação dos angolanos.
Mais: a empresa do grupo Trafigura que importava combustível para Angola chamava-se DTS Holding e, segundo a organização não-governamental suíça Public Eye assegura no seu relatório “Dirty Diesel — How Swiss Traders Flood Africa with Toxic Fuels”, é uma joint venture com sede em Singapura participada a meias entre a Cochan de ‘Dino’ e a Trafigura liderada por Claude Dauphin. O DTS Group estava avaliado então em cerca de 3,3 mil milhões de dólares (cerca de 2,9 mil milhões de euros ao câmbio de hoje).
2010 será um ano que o general Dino nunca esquecerá. Ganhou uma participação de 15% numa empresa de venda de combustível presente em mais de 30 países. E tem a meias com uma multinacional suíça a sociedade que importava toda a gasolina e gasóleo que Angola necessitava. Só esta última estava avaliada em cerca de 2,9 mil milhões de euros.<br />
A participação de ‘Dino’ na Puma Energy e na DTS Holding foi secreta durante muitos anos. Aliás, a forma como tais participações tinham sido adquiridas e organizadas evidenciava uma clara intenção de esconder o seu verdadeiro dono. Por exemplo, a Cochan Pte, Ltd, sediada em Singapura, detinha a participação de 50% na DTS Holding mas era, por sua vez, detida por uma sociedade offshore das Bahamas, a Cochan Ltd.
O esquema repetiu-se com a participação na Puma Energy, que começou por ser de 18,75% e foi diluída para 15% em 2011. Os títulos eram detidos pela sociedade offshore Cochan Pte, com sede nas Ilhas Marshall, sendo que esta, por sua vez, era detida pela Cochan Ltd das Bahamas.
Só em 2014 é que foram revelados documentos pela revista Foreign Policy que provavam que o general ‘Dino’ era o verdadeiro dono destas sociedades do Grupo Cochan. A Ernst & Young tinha auditado as contas do Grupo Cochan e atestado que o general próximo de José Eduardo dos Santos era o último beneficiário daquelas sociedades.
A pergunta que se colocava então era simples: como é que um general angolano tinha meios para investir “213 milhões de euros em dinheiro vivo?” — valor e forma de pagamento da participação inicial na Puma Energy. E como é que o general ‘Dino’ entrara nestes negócios tão valiosos?
A Cobalt e a Nazaki na base de um monopólio
Comecemos pela segunda pergunta. Lembra-se da troika angolana referida no início do texto? Foi Manuel Vicente, o presidente da Sonangol, que transformou a petrolífera estatal num autêntico fundo soberano, que só em 2011 teve receitas anuais de 34 mil milhões de euros — um valor ao nível da Coca-Cola ou da Amazon, segundo o Financial Times —, quem concedeu aos suíços da Trafigura o monopólio da importação de produtos refinados. E terá sido o mesmo Vicente quem, de acordo com fontes do setor petrolífero angolano, colocou o general ‘Dino’ nos negócios com a Trafigura. Alías, um dos filhos do ex-líder da Sonangol terá mesmo estagiado na multinacional suíça.
Esse, contudo, não foi único negócio de ‘Dino’ — e da troika angolana — no setor petrolífero. Uma empresa norte-americana chamada Cobalt negociava com a Sonangol liderada por Vicente os direitos de exploração no mar angolano da camada pré-sal — entre 4.000 a 6.000 metros de profundidade no subsolo — quando recebeu a habitual exigência dos angolanos: teria de aceitar a Sonangol e mais dois pequenos sócios angolanos para ganhar essa licença de exploração.
Foi assim que a Sonangol ficou com 20%, enquanto que a sociedade offshore Nazaki Oil and Gas ficou com 30% e a Alper Oil com 10%. Uma investigação do Financial Times veio a revelar que a Nazaki pertencia efetivamente aos generais ‘Dino’ e ‘Kopelipa’ e também a Manuel Vicente, através de uma sociedade anónima angolana chamada Grupo Aquattro Internacional, SA.
O Grupo Aquattro Internacional foi criado a 26 de julho de 2007 tendo como sócios, segundo o site Maka Angola de Rafael Marques, a troika angolana: ‘Dino’, ‘Kopelipa’ e Vicente detinham no ato de constituição cada um 33,33% do capital social.
O problema da investigação do Financial Times, pelos óbvios conflitos de interesse que envolviam Manuel Vicente como líder da Sonangol e os generais ‘Dino’ e ‘Kopelipa’ pelas posições que tinham na Presidência da República, levou a Securities and Exchange Commission — a polícia da bolsa norte-americana — a agir, já que a Cobalt era uma sociedade norte-americana, com sede em Houston, no Texas.
Moral da história: Manuel Vicente e os generais ‘Kopelipa’ e ‘Dino’ liquidaram a sua posição na Nazaki e, segundo a investigação do Financial Times, metade do capital da empresa foi vendido à Sonangol. Os valores da operação não são conhecidos mas a participação da Nazaki na Cobalt estava avaliada em cerca de 1,3 mil milhões de euros, o que poderá ter levado a um encaixe de cerca de 650 milhões de euros para ‘Dino’ e os seus sócios.
A participação do BESA comprada ao BES com crédito do BESA
Um dia depois da sua fundação, o Grupo Aquattro Internacional criou a Portmill Investimentos, ficando com 99,96% do seu capital social. Foi esta sociedade de que a troika angolana fazia parte que iria comprar a 10 de dezembro de 2009 uma participação de 24% no Banco Espírito Santo Angola (BESA) ao BES, liderado por Ricardo Salgado. Na altura, o então líder da família Espírito Santo nunca identificou seus “parceiros angolanos”.
É a Portmill, a sociedade da troika Dino, Kopelipa e Manuel Vicente, que irá comprar a 10 de dezembro de 2009 uma participação de 24% no Banco Espírito Santo Angola (BESA) ao BES, liderado por Ricardo Salgado. Na altura, o então líder da família Espírito Santo nunca identificou seus "parceiros angolanos".
O mais curioso, contudo, foi a forma como a participação no BESA terá sido adquirida pela Portmill Investimentos. De acordo com uma investigação de Rafael Marques, o BESA então liderado por Álvaro Sobrinho concedeu a 27 de novembro de 2009 um crédito total de 375 milhões de dólares (cerca de 336,8 milhões de euros ao câmbio de hoje) a três empresas do Grupo Aquattro: a Nazaki Hidrocarbonetos, a Delta Inertes e a Althis Siderurgia. No mesmo dia, essas três sociedades terão levantado o montante total do crédito em numerário.
Ainda no mesmo dia, 27 de novembro de 2009, a conta da Portmill no BESA recebeu exatamente o mesmo valor através de um depósito em numerário: 375 milhões de dólares. De acordo com Rafael Marques, que invoca documentação que tem na sua posse, a conta da Portmill estava nessa altura a zero.
Dez dias depois, o Banco Angolano de Investimento concedeu à Portmill um empréstimo de 375 milhões de dólares para adquirir a participação de 24% no BESA, mas Rafael Marques assegura que esse montante terá sido alegadamente desviado para outro destino.
Certo é que a 10 de dezembro de 2009 a Portmill depositou cerca de 375 milhões de dólares na conta do BES no Bank of America em Nova Iorque, tal como o contrato assinado por Ricardo Salgado e os representantes da Portmill determinava. Posteriormente, os fundos terão sido transferidos para uma conta do BES no Banque Privée Espírito Santo na Suíça.
E assim o general ‘Dino’ se fez acionista do BESA.
Este, refira-se, estava longe de ser o primeiro negócio entre o BES e os generais angolanos, como pode ler aqui. Com problemas financeiros no GES desde 2007/2008, que o terão levado alegadamente a ordenar a falsificação da contabilidade das holdings do grupo, Ricardo Salgado via em Angola uma espécie de tábua de salvação.
O general Leopoldino Nascimento também era acionista do BESA através da sociedade Geni – Novas Tecnologias, SA, que deteve uma participação de 19,9% daquele banco e é o principal sócio de Isabel dos Santos na operadora de comunicações Unitel, juntamente com a operadora brasileira Oi e a Sonangol. ‘Dino’ terá 62% do capital da Geni, enquanto António Van Dunem (ex-secretário da Presidência do Conselho de Ministros) terá 20% e Inocêncio Francisco Miguel 14%.
Além da Unitel, o general ‘Dino’ terá ainda ligações à Movicel — a outra das duas operadoras de comunicações de Angola. Nesta última, a participação é detida através da Portmill.
O primeiro canal privado de televisão angolano, a TV Zimbo, e a Damer Indústria SA serão igualmente propriedade de ‘Dino’ em igualdade com ‘Kopelipa’ e Manuel Vicente, a famosa troika.
As investigações arquivadas pelo procurador condenado por corrupção
Quer os factos relacionados com o caso Nazaki Oil & Gas, quer a forma com a Portmill Investimentos foi criada, foram denunciados formalmente em 2011 à Procuradoria-Geral da República portuguesa pelo jornalista Rafael Marques e o ex-embaixador Adriano Parreira. Em causa estavam suspeitas de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais, tendo o processo sido distribuído ao procurador Orlando Figueira do Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
Em setembro de 2011, Figueira fica igualmente com uma participação da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) contra o generais ‘Dino’ e Kopelipa e Manuel Vicente, entre outras figuras políticas angolanas, por suspeitas de branqueamento de capitais na aquisição de diversas frações do edifício de luxo Estoril Sol Residence. As sociedades offshore Portmil Investimentos, a Damer Industries e a Delta Shipping Overseas UK foram utilizadas por Dino, Kopelipa e Vicente para pagarem os seus apartamentos através de transferências totais de 1,8 milhões de euros entre julho de 2007 e agosto de 2008.
Orlando Figueira autonomizou as suspeitas de Manuel Vicente para arquivar o processo logo de seguida. Já Dino e Kopelipa continuaram a ser investigados, não tendo, contudo, Figueira ordenado que os dois justificassem os rendimentos que lhes permitia adquirir as frações do Estoril Sol Residence. Mais tarde, em janeiro de 2015, o procurador Paulo Gonçalves veio a arquivar os processos, alegando que não existiam provas dos crimes imputados.
Orlando Figueira, entretanto, já tinha pedido licença sem vencimento da magistratura para se dedicar à advocacia. Uma denúncia anónima com muitos pormenores sobre transferências que o procurador do Ministério Público teria recebido de empresas angolanas como alegada contrapartida por ter arquivado os autos contra Vicente, vieram a dar lugar a uma nova investigação que culminou com uma acusação em 2017 contra o procurador e o então vice-presidente de Angola por corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais e violação do segredo de justiça. Em dezembro de 2018, foi mesmo condenado a uma pena única efetiva de seis anos e oito meses de cadeia pelos crimes de corrupção passiva, branqueamento, falsificação de documento e violação do segredo de justiça e proibição de voltar à magistratura durante cinco anos.
Já a acusação contra Manuel Vicente acabou por ser transmitida a Angola por decisão de maio de 2018 do Tribunal da Relação de Lisboa e após grande pressão política da parte das autoridades angolanas. Em Luanda, nada aconteceu a Vicente.
O “golpe” de 3.000 milhões de euros contra Portugal numa reunião liderada por ‘Dino’
Em Lisboa, Ricardo Salgado e a família Espírito Santo já tinham sido afastados da gestão do BES, o banco tinha sido alvo de uma resolução determinada pelo Banco de Portugal, enquanto as diversas holdings do GES abriam a corrida à insolvência no Luxemburgo. Mas enquanto isto acontecia, em Luanda preparava-se um “golpe”, expressão usada pelo Maka Angola.
Revelado pelo jornalista Rafael Marques no blogue Maka Angola em setembro de 2018 e pela revista Visão em fevereiro de 2019, o “golpe” não só terá desrespeitado a lei angolana, como envolveu a Sonangol e centenas de milhões dólares de fundos públicos angolanos que financiaram aquisições da troika angolana composta por ‘Dino’, ‘Kopelipa’ e Manuel Vicente.
A peça desenrolada na manhã do dia 29 de outubro de 2014 teve vários atos:
- A advogada angolana do BES foi proibida de entrar na sala onde decorria a assembleia geral do BESA, depois uma misteriosa operação policial provocar o atraso na chegada ao local da reunião;
- A participação de 55,71% do BES (o banco mau após a resolução de 3 de agosto de 2014) foi declarada extinta pelo administrador provisório nomeado pelo Banco Nacional de Angola, supervisor angolano e congénere do Banco de Portugal;
- O Novo Banco, que tinha um crédito a receber do BESA de 3,4 mil milhões de euros, concordou em perdoar 80% desse crédito, ficando a haver apenas 688 milhões de euros.
Pior: António Ramos Cruz, administrador provisório do BESA por nomeação do Banco Nacional de Angola, determinou que o supervisor angolano tinha decidido “introduzir novos acionistas” na instituição, que se passaria a chamar Banco Económico: a Sonangol EP (16% do capital), a Sonangol Vida (16%), a Sonangol Holding (7,4%), o Novo Banco (9,72%), a Geni – Novas Tecnologias (19,9%) e a desconhecida sociedade offshore Lektron Capital (30,98%).
A advogada angolana do BES foi proibida de entrar na sala onde decorria a Assembleia-Geral do BESA, depois uma misteriosa operação policial provocar o atraso na chegada ao local da reunião.
O general ‘Dino’ teve um papel central nessa assembleia geral, tendo sido apelidado pelo Maka Angola de “comandante do golpe”, visto que não só foi o único accionista presente na reunião a falar, como começou por dizer que mais nada havia “verdadeiramente a deliberar” do que a decisão do Banco Nacional de Angola de aceitar a nova estrutura accionista do ex-BESA. Depois ‘Dino’ informou que os “acionistas angolanos” decidiram que a instituição iria passar a chamar-se Banco Económico, teria uma nova imagem e a breve prazo iria ter novos órgãos sociais.
Um dos novos administradores seria precisamente António Ramos Cruz, o representante do Banco Nacional de Angola que liderou a assembleia geral que concretizou o chamado “golpe”.
A Procuradoria-Geral da República de Angola confirmou no ano passado, no âmbito da nova política de luta contra a corrupção e da respetiva recuperação de ativos, que os beneficiários efetivos da Lektron Capital eram Manuel Vicente e o general ‘Kopelipa’ e que a Geni pertencia ao general ‘Dino’.
As duas sociedades, contudo, tinham elevadas dívidas em relação à Sonangol. Porque foi a petrolífera pública angolana a realizar na totalidade os 650 milhões de dólares (cerca de 583 milhões de euros), segundo Rafael Marques, do aumento de capital social do Banco Económico decidido na assembleia geral de 29 de outubro de 2014. Ou seja, a Sonangol tinha emprestado cerca de 125 milhões de dólares (cerca de 112 milhões de euros) à Lektron de Vicente e ‘Kopelipa’ e cerca de 53 milhões de dólares (cerca de 47,5 milhões de euros ao câmbio de hoje) à Geni de ‘Dino’.
A Lektron de Vicente e ‘Kopelipa’ procedeu “à entrega voluntária das participações sociais ao Estado angolano”, revelou a PGR de Angola num comunicado de 13 de junho de 2019, enquanto que a Geni assumiu o “compromisso de proceder ao pagamento” dos 29 milhões de dólares (cerca de 26 milhões de euros ao câmbio de hoje) em falta.
A apreensão da PJ e o ataque de João Lourenço
O general ‘Dino’, como é conhecido, é agora o homem dos 10 milhões de euros. Terá sido ele que tentou transferir à volta desse valor — uma transação impedida pela Polícia Judiciária portuguesa — de uma conta que detém no Millennium BCP para uma conta bancária russa aberta em nome da sociedade Woromin Finance Limited. O nome dos beneficiários dessa conta não são conhecidos, mas a Justiça angolana acredita que o dinheiro pertencia a Isabel dos Santos.
O general e sócio da filha de José Eduardo dos Santos teria servido apenas de intermediário. Isto de acordo com o Tribunal Provincial de Luanda, que decidiu arrestar preventivamente as contas bancárias e as participações sociais das empresas da filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos no final do ano. Segundo a decisão, esta alegada transferência fazia parte de um plano de Isabel dos Santos para “transferir alguns dos seus negócios para a Rússia”. O objetivo? “Ocultar o património obtido às custas do Estado, transferindo-os para outras entidades”, lê-se na informação do tribunal angolano. Ao Expresso, ‘Dino’ negou ter transferido os fundos a pedido de Isabel do Santos e também a suspensão de alguma operação bancária sua por parte da PJ.
À data, o general já não era consultor do ministro de Estado e de chefe da Casa de Segurança do então Presidente da República angolano. Ao fim de 38 anos no poder, José Eduardo dos Santos deixou a presidência para dar lugar a João Lourenço. Menos de um ano depois de tomar posse, Lourenço mandou exonerar três oficiais, entre eles o general Leopoldino Fragoso do Nascimento.
Mais: além de ter dado luz verde à PGR de Angola para ser pró-ativa na recuperação de ativos com alegada origem ilícita, João Lourenço também já acabou com o monopólio de importação de combustíveis detido pela DTS Holding de ‘Dino’ e a Trafigura.
Além de ter dado luz verde à PGR de Angola para ser pro-ativa na recuperação de ativos com alegada origem ilícita, João Lourenço também já acabou com o monopólio de importação de combustíveis detido pela DTS Holding de 'Dino' e a Trafigura.
Em 2018, o Governo angolano abriu um concurso público internacional para o fornecimento de derivados do petróleo, nomeadamente gasolina, gasóleo e gasóleo de marinha, à Sonangol Logística entre abril de 2018 e março de 2019 — um negócio avaliado em cerca de 3,4 mil milhões de euros pelo próprio Estado angolano. Uma soma que a empresa do general ‘Dino’ deixou de faturar, pois o concurso foi adjudicado à sociedade Glencore Energy UK, para o fornecimento de gasóleo e de gasóleo de marinha, e à Totsa Total Oil Trading, no que respeita a gasolina.
‘Dino’ e os seus sócios da troika angolana estão, portanto, acossados. Com escritório localizado no 24.º andar da torre do CIF — construída pelos chineses do China International Fund — o general, com mais de mil milhões de dólares (cerca de 900 milhões de euros) de fortuna pessoal, é um dos que tem mais a perder.