Numa carta assinada pelos três relatores, datada de 29 de agosto, e dirigida ao Presidente João Lourenço estes defendem que "muitas disposições na lei [das ONG) proposta seriam contrárias aos direitos humanos e obrigações internacionais de Angola, incluindo o direito à liberdade de associação, o direito à liberdade de opinião e expressão, e o direito à não discriminação".
E, que se o projeto de lei for aprovado na forma atual, "impõe regulamentação excessivamente rígida e concede controle governamental injustificado sobre operações das organizações não-governamentais (ONG)".
O "limitaria significativamente a independência e autonomia das organizações da sociedade civil em Angola, contrariamente ao direito das associações de funcionarem livremente e sem interferência governamental indevida, acrescentam".
"Notamos também que parece ter havido uma falta de consulta genuína às ONG na elaboração das disposições do projeto de lei", referem ainda.
O documento, de 13 páginas, a que a Lusa teve acesso, foi assinado por Clement Nyaletsossi Voule, relator sobre os direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação, Mary Lawlor, relatora sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, e Fionnuala Ní Aoláin, relatora sobre a promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais no combate ao terrorismo.
A carta foi divulgada pelo Portal Vozes, que trata de notícias de interesse para a comunidade de língua portuguesa.
Os relatores da ONU apelam a João Lourenço para que não aprove o diploma e desenvolva uma nova lei, consultando “amplamente todos setores da sociedade civil” nesse sentido.
Segundo os relatores, a nova lei deve garantir “um ambiente propício para a sociedade civil e que esteja em conformidade com os requisitos e obrigações de Angola e com as melhores práticas internacionais em matéria de direitos humanos".
Consideram ainda que "possibilitar e proteger o direito à liberdade de associação é fundamental para dar uma resposta eficaz aos múltiplos desafios que Angola enfrenta".
Além disso, "a garantia deste direito é fundamental para a sociedade civil contribuir para a prossecução dos ODS [objetivos de Desenvolvimento sustentável] e é uma componente essencial das sociedades em democracia, permitindo-lhes responder às necessidades, queixas, direitos e desejos das suas populações".
Os signatários da carta lembram ainda ao Governo angolano que “os Estados têm a responsabilidade e o dever primário de proteger, promover e concretizar todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, tomando as medidas necessárias para criar as condições sociais, económicas, políticas e outras”.
Os relatores encorajam ainda o Parlamento "a iniciar processos amplos e inclusivos de diálogo e consulta significativa com a sociedade civil angolana e outras partes interessadas, para melhor compreender o papel da ONG, a natureza do seu trabalho, a diversidade do setor e as suas necessidades e preocupações".
Porque isto "permitirá a elaboração de novas medidas menos restritivas, mais inclusivas e legislação que promova o trabalho crítico das ONG e garanta que os cidadãos e os direitos dos beneficiários são protegidos, de acordo com os princípios constitucionais e obrigações do direito internacional em matéria de direitos humanos".
A Assembleia Nacional angolana aprovou na generalidade, em 25 de maio, a proposta de lei do Estatuto das Organizações Não-Governamentais.
A proposta de lei foi aprovada com 105 votos a favor, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), 69 votos contra da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) e duas abstenções da coligação Partido de Renovação Social (PRS) e Frente Nacional para a Libertação de Angola (FNLA).
Em 30 de maio, as organizações reagiram em conferência de imprensa e chamaram a atenção da comunidade nacional e internacional “para a manobra do poder executivo em fazer aprovar uma lei que traz ou mantém alguma semelhança com o decreto presidencial n.º 74/15, de 24 de março, Regulamento das ONG, que foi considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional”.
Em 05 de julho passado, pelo menos 100 organizações da sociedade civil espalhadas pelo mundo assinaram uma declaração contra a proposta de lei por considerar que as ONG angolanas vão deixar de “operar livremente”.