Numa análise sobre os 50 anos de independência que Angola completa na próxima terça-feira, Marcolino Moco destacou que decorrem um conjunto "de festividades com euforia", perdendo-se "uma grande oportunidade" de fazer disso uma jornada de reflexão "por tantos problemas" que os angolanos têm vivido desde a independência até hoje.
"Para dizer que é um paradoxo, nós termos lutado tanto para uma independência para acabarmos com os horrores da PIDE [Polícia Internacional e de Defesa do Estado], para acabarmos com a má distribuição da riqueza e hoje estamos a fazer o pior e não discutirmos isso", disse à Lusa.
Para o ex-secretário-geral do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido que governa Angola desde a sua independência, em 1975, perfazem 50 anos de uma independência "com inúmeros problemas, sem uma saída à vista", pelo que deve-se fazer disso uma oportunidade para reflexão.
"Mas sabemos que na política africana não há este bom senso, toda essa euforia programada pelo regime do Governo do Presidente João Lourenço enquadra-se no espírito que temos vivido, que é o faz de conta que não há problemas", lamentou.
Sobre a referida reflexão, disse que "é fácil concluir" que Angola tem estado "a falhar sucessivamente", no sentido de se transformar o Estado angolano "num Estado operacional, que resolve os problemas".
"Isso acontece porque este Estado não é de todos, é um Estado unilateral, vem de uma independência unilateral", afirmou o político, considerando que já houve "bastante tempo para corrigir o tiro".
Segundo Marcolino Moco, foram realizadas "correções parciais" quando o MPLA aceitou o Acordo de Bicesse, "deixando para trás o tempo do partido único, partido Estado, aceitando o multipartidarismo".
Contudo, realçou, "nos últimos tempos e paradoxalmente, já depois da paz, o país tem instituído um país com o nome de Estado democrático e de direito, mas a funcionar da mesma maneira que Estado de partido único, o partido Estado e as coisas pioraram".
"Se inicialmente os princípios formais, os constitucionais, correspondiam ao que se fazia, hoje há uma grande contradição, está proclamado numa coisa - Estado democrático e de direito - mas o que se faz, com a montagem de estruturas subterrâneas, é a mesma coisa como se estivéssemos num Estado de partido único", notou.
O também antigo secretário-executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) considerou ainda que os mesmos problemas vividos até 2002, quando se atingiu a paz, "continuam a persistir e até mais agravado".
De acordo com Marcolino Moco, no período que antecedeu o multipartidarismo "havia estruturas de controlo" que foram desfeitas e hoje não há nenhuma.
"Os tribunais estão desautorizados, a comunicação social pública é controlada por quem está no poder, os serviços de inteligência estão ao serviço do sistema, não ao serviço do Estado, não há escrutínio da função governativa, o Presidente da República não responde perante a Assembleia, os ministros são chamados auxiliares, não têm jurisdição própria nas áreas que administram", enumerou.
Questionado sobre se foram alcançados os objetivos pelos quais os angolanos se debateram pela sua independência e soberania do país, Marcolino Moco considerou que hoje existem em Angola "prisioneiros de consciência, a maioria deles são todos jovens".
"Agora mesmo em julho morreram jovens e alguns estão presos, a sofrer mais do que se sofria, pelo menos nas prisões da PIDE, quando eu tinha 20 anos. Antes disso não sei, mas o que eu vi, o que foi reportado do que se vivia um pouco antes de 74, os prisioneiros que os tribunais faziam o julgamento, não tem nada a ver com a crueldade com que as pessoas são tratadas hoje, os jovens", vincou.
"Para dizer que é um paradoxo, nós termos lutado tanto para uma independência para acabarmos com os horrores da PIDE, para acabarmos com a má distribuição da riqueza e hoje estamos a fazer o pior e não discutirmos isso", acrescentou, com a ressalva que não .
Ressalvando que não estar a defender que "a independência não foi boa", Marcolino Moco justificou ser "um pouco duro" para contribuir como "mais velho" para melhorias, também para que em Portugal, "que continua a ter as responsabilidades com aspas, porque já não pode ser acusado pelos problemas de hoje", se reflita sobre o comportamento daqueles que dirigem a lusofonia.