"Quando eu comecei o meu trabalho, a interpretação mais presente das divisões do nacionalismo angolano era uma interpretação em termos étnicos: havia três movimentos que representavam cada um uma das três maiores etnias de Angola, que são, para o MPLA, os Quimbundos, para a FNI.A, os Bakongos e, para a UNITA, a etnia Ovimbundu", também utilizada para explicar o prolongamento dessas divisões na guerra civil, que começou em 1975 e durou até 2002, disse à Lusa.
O trabalho de pesquisa que desenvolveu para a sua tese de doutoramento, "retrabalhada" para a versão portuguesa do livro "Angola e as Incertezas da Nação - Uma incursão ás raízes sociais da UNITA", levaram-no a concluir que "essa interpretação era algo simplista, no sentido que havia outros tipos de divisões que também jogavam um papel muito importante".
Uma delas, conclulu, foi "a maneira como as elites que criaram esses movimentos nacionalistas foram formadas", muitas delas no seio das missões cristäs, "porque no contexto colonial português havia muito pouco espaço para uma ascensão social".
Na versão portuguesa do livro publicado em 2015 em francés, uma edição da Mercado de Letras, ja disponivel nas livrarias, Didier Péclard contraria igualmente a ideia de que o surgimento de vários movimentos de libertação em Angola teve origem nas diferentes missões cristãs.
Enquanto a Igreja Católica era vista como "perto do poder português e quase pro colonialismo, as missões protestantes, "por serem de origem não portuguesa, eram Iconotadas como sendo) contra o colonialismo", sendo-lhes atribuidas responsabilidades na formação das elites dos diferentes movimentos: as Baptistas junto dos Bakongos (FNLA), as Metodistas junto dos Quimbundos (MPLA) e as Congregacionais junto dos Ovimbundus (UNITA).
Também aqui, Didier Péclard chegou à conclusão de que a explicação é "algo mais complexa", pois nem a Igreja Católica teve o papel colaboracionista com o poder colonial que lhe è atribuido nem as missões protestantes foram o centro da oposição ao regime.
Focando o seu trabalho no Planalto Central angolano, zona dos Ovimbundos e tradicionalmente associada a base de apoio da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o professor de Ciência Politica e Estudos Africanos na Universidade de Genebra procura igualmente contrariar a ideia de que esta região de Angola, que engloba as provincias do Huambo e do Bië, se manteve "até bastante tarde" à parte da guerra de libertação.
No livro, procura mostrar que, no Planalto Central, houve "movimentos de expressão política e até nacionalistas (), que ficaram muito em segredo e na clandestinidade".
"Quando a UNITA aparece, a partir de 1966 (e até) 1974, é um partido muito pequeno, quer dizer, com muito poucos guerrilheiros", 500 a 800, que, na maioria, não vinham do Planalto Central, disse, salientando que "isso contribui [para] essa ideia de que o Planalto não participou" na guerra de libertação.
Por outro lado, a partir dos anos 1960, o Exército português "quase fechou" o Planalto Central "a ação direta e militarizada dos nacionalistas", acrescentou.
É depois da Revolução de 1974 em Portugal que a UNITA Introduz um discurso que "tenta legitimar a sua ação como sendo a representante dos grupos sociais que foram marginalizados durante o colonialismo português e que arriscavam (...) ser, mais uma vez, marginalizados pela tomada do poder pelo MPLA, [quel. no discurso da UNITA, representava sobretudo as elites mestiças da faixa litoral enquanto que a UNITA representava o povo do interior, o povo africano, no sentido do povo negro e não mestico".
"O que eu tento mostrar também no livro é que esse discurso de legitimação fol, em parte, também criado no selo das missões protestantes, sobretudo do Planalto Central, que também tinham esse discurso de apoio aos verdadeiros africanos, (..) a uma sociedade agrária", associado à "proteção" dos jovens dos "perigos da cidade, considerada como lugar quase de pecado ou de vários perigos".





