Alves Kamulingue e Isaías Cassule foram raptados na via pública em Luanda, em maio de 2012, quando tentavam organizar uma manifestação de veteranos e desmobilizados contra o Governo de José Eduardo dos Santos, do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
Depois do homicídio de ambos, cujos corpos nunca foram recuperados, seguiram-se várias manifestações de opositores ao regime angolano, reclamando justiça para este caso.
Em 2015, o tribunal de Luanda ordenou, no julgamento realizado, o pagamento de indemnizações às famílias, condenando em primeira instância sete arguidos, entre elementos dos serviços secretos angolanos, da Polícia Nacional e do partido MPLA, a penas de prisão efetiva entre 14 e 17 anos.
O pagamento dessa indemnização, conforme confirmaram as famílias à Lusa, foi feito apenas na semana passada, com a entrega de um cheque de quatro milhões de kwanzas (14.800 euros) a cada, bem como as certidões de óbito.
"Vamos exigir ao governo provincial do Bengo, que cedeu as certidões de óbito, porque precisamos fazer o funeral condigno. Porque se deram o boletim de óbito, sabem onde se encontram as ossadas", disse hoje, em entrevista à Lusa, José Adão, cunhado de Isaías Cassule.
José Adão contou que até ao momento a família de Cassule ainda não conseguiu levantar o montante - em cheque - ordenado pelo tribunal devido à "excessiva burocracia" dos bancos.
"Ainda não conseguimos levantar o dinheiro porque o banco está a dar muita volta, e temos que aguardar porque o montante é elevado. Já abrimos a conta e continuamos nessa espera, estamos desde quarta-feira nessa situação", explicou.
Com esses valores, adiantou, a família pretende "liquidar as dívidas elevadas" do colégio onde estudam os três filhos do falecido ativista. "E depois estamos a pensar construir uma residência própria para a mulher e os filhos porque vivem em casa arrendada", disse.
"Não estamos satisfeitos com a indemnização sobretudo devido a responsabilidade e educar permanentemente as crianças agora mais com o nível de vida do país será muito difícil", contou ainda.
Insatisfações partilhadas pela família de Alves Kamulingue, conforme disse à Lusa o tio da vítima, Horácio Essuvi, que lamenta a situação e pediu às autoridades façam chegar as ossadas do seu sobrinho.
"Deram-nos apenas a certidão de óbito e vamos esperar que também nos façam chegar os restos mortais do meu sobrinho, e é isso que vamos exigir porque queremos mesmo realizar o funeral para que ele possa descansar condignamente", sublinhou.
O Tribunal Constitucional de Angola absolveu em outubro de 2015 um ex-dirigente dos serviços secretos, condenado a 20 anos de prisão efetiva no caso do homicídio de dois opositores do regime angolano, ocorrido em 2012, alegando falta de provas.
De acordo com o acórdão do Tribunal Constitucional, em causa está o recurso apresentado por António Manuel Gamboa Vieira Lopes, que à data do crime exercia funções de delegado provincial de Luanda do Serviço de Inteligência e de Segurança do Estado (SINSE), da sentença de fevereiro de 2016, do Tribunal Supremo.
No Tribunal Supremo, António Manuel Gamboa Vieira Lopes viu a pena de prisão de 17 anos de prisão efetiva pelo homicídio, aplicada em maio de 2015, na primeira instância, pelo Tribunal Provincial de Luanda, passar para 20 anos, um agravamento de condenação alargado por aquela instância aos restantes seis condenados.
No entanto, o plenário de juízes do Tribunal Constitucional concluiu que, na análise do processo na primeira e segunda instâncias, que "não existem nos autos elementos de prova que, com certeza, apontem a responsabilidade" do antigo responsável dos serviços secretos "como autor moral do crime por que foi condenado".
Na primeira instância, os sete arguidos - que pertenciam aos serviços secretos angolanos (2), à Polícia Nacional (4) e ao comité provincial do partido MPLA (1) de Luanda - foram condenados a penas de prisão efetiva de 14 a 17 anos, agravadas pelo Tribunal Supremo e agora também desagravadas pelo mesmo acórdão do Tribunal Constitucional.