Assinada a 23 de dezembro e indicando cinco dias para o arresto e notificações devidas, a providência cautelar prevê um prazo de 30 dias para ter sequência ou dissolver-se. Neste caso, porém, prazos e trâmites comuns podem diluir-se, dada a complexidade do caso e alto perfil dos envolvidos: a filha do ex-presidente angolano, Isabel dos Santos, o marido, Sindika Dokolo, e Mário Leite Silva, braço direito da empresária, que viram congeladas as suas contas bancárias e as participações que detêm no BIC (25%+17%), na Unitel (25%), no BFA (51%) e na ZAP (99,9%), mas também na Cimangola, na Condis, na Finstar, na Continente Angola e na Sodiba.
O Estado angolano começa por reclamar mil milhões - valor em que estima ter sido lesado nos negócios feitos com Isabel dos Santos, da compra de uma fatia da Galp juntamente com a Sonangol à venda de diamantes - e quer assegurar-se de que vai receber. Pretensões que Dos Santos rejeita, considerando que o caso se apoia num conjunto de acusações "falsas e forjadas", contestando a existência de dívida e o valor avançado.
Com esta sentença a configurar, porém, conforme acreditam fontes próximas de Luanda, uma tomada de posição face à empresária - extensível a toda a família do ex-presidente Dos Santos -, "não é expectável que haja um desarresto no horizonte". Nem sequer por eventuais problemas de cumprimento de obrigações. A decisão de arresto não impede a gestão corrente; conforme se lê no despacho a que o Dinheiro Vivo teve acesso, antes deposita o poder nas mãos do Banco de Angola (que fica a supervisionar as contas congeladas) e nas administrações das empresas, que ficam fiéis depositárias dos bens, proibidas de utilizar as participações em negócios, de as vender ou entregar lucros aos acionistas arrestados.
O que Luanda pode ganhar
Está em causa nomeadamente uma fatia de 25% do maior operador de telecomunicações do país (a Unitel está avaliada em mais de 4 mil milhões de euros e lucrou 300 milhões em 2018) e metade do maior banco privado de Angola, o BIC (lucros a rondar 40 milhões de euros no primeiro semestre, ativos de 2,4 mil milhões). Qualquer uma destas participações, por si só, perfaz o valor que o Estado angolano reclama a Isabel dos Santos. Há porém mais sete empresas alvo do arresto. O que ajuda a antecipar que aquele valor será apenas a ponta do iceberg judicial contra a empresária, que dá força à nova normalidade que o governo de João Lourenço quer trazer.
"O tribunal emitiu uma decisão provisória na sequência de disputa comercial. Não há decisão judicial que defina sequer se há dívida ao Estado, muito menos o seu valor. Nunca pedi e nunca recebi mil milhões ao Estado angolano", sublinhou a empresária já neste início de ano, em que tem feito a sua defesa nas redes sociais - incluindo queixas de que não ter sido ouvida.
A defesa da empresária
Dizendo-se vítima de uma manobra de propaganda política, Isabel dos Santos - que por cá detém participações em setores como a energia (Galp, Efacec), telecom (NOS) e banca (EuroBic) - garantiu já que vai recorrer a "todos os instrumentos legais angolanos e internacionais" . "É perseguição à família Dos Santos", tem repetido, sugerindo que o governo de João Lourenço quer "desviar atenções" dos problemas económicos da sua gestão do país, "que se tem deteriorado sob a sua liderança". Angola cresceu em 2019 ao ritmo de 0,4%, estando a cumprir o acordo de assistência assinado com o FMI.
Nunca pedi um bilhão de dólares emprestado ao Estado #Angolano , nunca recebi um bilhão do erário público angolano . #factos #angola
— Isabel Dos Santos (@isabelaangola) January 3, 2020
À Reuters, o marido da empresária diz que se está a "pintar um retrato de criminosos sem provas" e a "pressionar para conseguir congelar nossos bens e contas internacionais". Citado pelo The New York Times, Darias Jonker, diretor para o mercado africano da consultora de risco Eurasia Group, não tem dúvidas: o arresto "mostrou a João Lourenço que pode avançar contra a família Dos Santos" sem arriscar perder o MPLA e "o prémio maior é neutralizar Isabel dos Santos".
A empresária tem realçado a sua "contribuição para o desenvolvimento" de Angola, onde criou empresas, 20 mil empregos "com bons salários e benefícios", e apoia "mais de 30 mil pequenos negócios". "Vamos continuar a dar o melhor e a lutar por aquilo que eu acredito para Angola. O caminho é longo e a verdade há de imperar", escreveu no Instagram e no Twitter. Quanto ao impacto nas empresas, fala em riscos: "O dinheiro tem de ser usado para trabalhar, pagar salários e fornecedores", disse, admitindo poder ter de fechar algumas. "As minhas empresas em Angola foram condenadas à morte", disse ao Negócios.
Antecipa-se agora uma longa batalha judicial - não sendo provável que, mesmo que Isabel dos Santos pague os mil milhões, o resto lhe seja devolvido. Há quem acredite que esses valores podem ser usados em benefício do Estado angolano. O dinheiro poderá, por hipótese, aliviar a dívida que pesa no Orçamento Geral do Estado (mais de 27 mil milhões de euros, mais de metade do OGE, serão para abater na dívida, de 90% do PIB). Ou tornar mais apetecível o pacote de privatizações lançado para financiar o Estado e relançar a economia - engordando os ativos de uma Sonangol, fragilizada pela quebra na produção, desvalorização do kwanza e necessidade de importar petróleo; ou adicionando à lista a da Unitel.