Na carta, dirigida a João Lourenço, a Plataforma 27 de Maio, que integra a Associação 27 de Maio, a Associação Memória 27 de Maio 77 e Sobreviventes 27 de Maio saudou “o pronunciamento corajoso” do Presidente angolano, em 26 de maio passado, do pedido de perdão às vítimas do acontecimento conhecido na história de Angola como de uma alegada tentativa de golpe de Estado.
Para a Plataforma 27 de Maio, o pedido de desculpas foi entendido como a abertura de uma nova fase dos trabalhos da Comissão de Reconciliação em Memória às Vítimas dos Conflitos Políticos (Civicop), pelo que aguardou pela alteração da composição e reorientação dos trabalhos da mesma, “em busca da verdade, tal não se materializou até ao momento”.
“Fomos, entretanto, surpreendidos pelos pronunciamentos recentes do coordenador da Civicop, Dr. Francisco Queiroz, igualmente ministro da Justiça e dos Direitos Humanos”, refere-se na carta, considerando que a entrevista publicada em 09 de agosto se apresenta “em completa contracorrente a essa expectativa criada” pelo discurso de 26 de maio de 2021.
Os subscritores do documento relembram ao chefe de Estado angolano um conjunto solicitações já feitas anteriormente e apresentadas à Civicop, desde julho de 2020, “nunca respondidas”, reiteradas em março deste ano à mesma comissão.
“Sendo a Plataforma 27 de Maio uma organização identificada e recenseada pela Civicop, como representativa de um leque bastante alargado de vítimas do processo de 27 de maio de 1977, pertencentes a várias organizações de sobreviventes, órfãos e familiares das vítimas, com os seus membros a residir em Angola e também fora de Angola, apresentamos, num espírito de participação construtiva nos trabalhos da Civicop, um conjunto de medidas julgadas por nós essenciais para uma verdadeira reconciliação”, sublinham.
Entre as medidas constam o pedido para que “se procure a verdade histórica, com uma investigação, isenta e célere, que seja definido como objetivo a identificação dos responsáveis pelos crimes cometidos, única forma de se saber a quem se perdoa, precedido de um pedido de perdão”.
Os associados solicitam também que “os agentes da repressão que praticaram crimes deixem de ser considerados ‘vítimas’, pois a obediência a ordens ilícitas e violadoras dos direitos humanos não constitui, causa de justificação do crime praticado”.
“Que se defina como objetivo central da comissão de averiguação e certificação dos óbitos, a localização dos restos mortais das vítimas, a sua certificação pelo teste de ADN, a emissão das respetivas certidões de óbito, onde conste a data e a causa da morte e, por fim, a sua devolução às famílias”, pede ainda a Plataforma 27 de Maio.
A organização considera igualmente que o processo de exumação dos corpos dos desaparecidos preceda a emissão das certidões de óbito, “já que não aceitável colocar sobre os familiares das vítimas o ónus de indicação da causa da morte de um familiar desaparecido, forçadamente, há 44 anos”.
“Tal a ocorrer, violará claramente as regras elementares do direito internacional e não concorrerá para a dignificação do Estado angolano”, sublinham.
Considerando que o processo de exumação dos corpos a ser feito de acordo com as regras internacionais aceites terá um custo elevado para o orçamento do Estado, “mas absolutamente necessário”, a Plataforma 27 de Maio solicita a João Lourenço “que seja abandonada a construção do monumento faraónico preconizado pela Civicop” e se opte por um memorial singelo, apenas no fim do processo.
Esta proposta, referem, havia já sido feita em reuniões com o coordenador da Civicop, comissão que gere o plano de reconciliação em memória às vítimas dos conflitos políticos registados em Angola de 11 de novembro de 1975, ano da independência, e 04 de abril de 2002, data do fim da guerra.
Em 27 de maio de 1977, uma alegada tentativa de golpe de Estado, numa operação aparentemente liderada por Nito Alves – então ex-ministro do Interior desde a independência (11 de novembro de 1975) até outubro de 1976 -, foi violentamente reprimida pelo regime de Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola.
O memorial está a ser construído na encosta da Boavista, em Luanda, e ocupa dois lotes de terra, com cerca de 7.500 metros quadrados.