“Até que os brancos e mulatos varram também as ruas de Luanda”: Nito Alves

Na madrugada de 27 de Maio de 1977, a cidade de Luanda despertou com tiros, alarmes e o eco de palavras de ordem transmitidas a partir da Rádio Nacional de Angola, tomada por um grupo dissidente do MPLA.

A tentativa de golpe de Estado, liderada por Nito Alves, então recentemente exonerado ministro da Administração Interna, marcou o início de uma das mais sangrentas repressões políticas da história pós-independência de Angola. Foi também o culminar de uma cisão ideológica dentro do partido que havia conduzido o país à independência apenas dois anos antes.

Nito Alves, de nome completo *Nito Augusto Alves, era um dos quadros mais carismáticos e populares do MPLA. Ascendera ao cargo de ministro da Administração Interna pouco depois da independência em 1975, tornando-se figura central na segurança interna e na organização política do novo Estado. Era oriundo das bases populares, defensor acérrimo de uma revolução proletária, e criticava abertamente a permanência de práticas elitistas e raciais herdadas do período colonial. Ficou célebre pela frase:

_”Até que os brancos e mulatos varram também as ruas de Luanda é que teremos a verdadeira independência”, _ pronunciada num comício, como denúncia do que percebia ser a continuação do privilégio racial nas estruturas do novo regime.

No seio do MPLA, as divergências entre a ala nitista e a direcção liderada por Agostinho Neto tornaram-se irreconciliáveis. Nito Alves e os seus aliados, entre os quais José Van-Dunem (membro do Comité Central e responsável político das FAPLA), e Sita Valles (intelectual marxista, de origem goesa), defendiam uma linha revolucionária mais à esquerda, inspirada no modelo soviético e cubano. Acusavam a direcção do MPLA de desvio ideológico, corrupção e aproximação a sectores burgueses, tendo denunciado publicamente um alegado “desvio à direita”.

Em Maio de 1977, Nito Alves e Van-Dunem foram expulsos do Comité Central do MPLA por deliberação do Bureau Político. A partir daí, intensificaram contactos clandestinos com sectores descontentes das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e juventudes do partido. No dia 27 de Maio, orquestraram a sublevação: militares leais tentaram tomar o controlo das comunicações, dos quartéis e da rádio nacional. O golpe fracassou em poucas horas. As forças leais a Neto, com apoio cubano, reagiram com rapidez e dureza.

Nito Alves foi capturado poucos dias depois, julgado sumariamente e executado. Estima-se que a sua morte tenha ocorrido entre o final de Maio e início de Junho de 1977. José Van-Dunem e Sita Valles tiveram destino idêntico. Ambos foram presos e executados. Sita Valles, em particular, terá sido fuzilada em público, após semanas de interrogatórios.

A repressão subsequente ao golpe foi feroz. Iniciou-se uma purga interna sem precedentes conduzida pela DISA (Direcção de Informação e Segurança de Angola). Estima-se que entre 10.000 a 30.000 pessoas tenham sido mortas, desaparecidas ou detidas nos meses seguintes. Entre as vítimas contavam-se militantes do MPLA, oficiais das FAPLA, intelectuais de esquerda, funcionários públicos e até civis simpatizantes ou simplesmente acusados de conivência com os golpistas. O país mergulhou num clima de medo e silêncio, onde a delação se tornava instrumento de sobrevivência.

Durante décadas, o 27 de Maio foi um assunto tabu na narrativa oficial do Estado angolano. Apenas recentemente surgiram tentativas tímidas de reconhecer as vítimas e reabrir o debate sobre o que realmente se passou. Integrity Magazin

Last modified on Terça, 27 Mai 2025 23:52
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