Artur A., advogado e um dos sócios de Paulo Nazaré, o alegado líder da rede criminosa de tráfico de diamantes, ouro e droga que envolve militares e ex-militares portugueses investigada na Operação Miríade, ajudou a branquear €27 milhões provenientes de Angola. O esquema envolveu empresas portuguesas e angolanas e um misterioso Carlos, cidadão angolano cuja identidade não será do conhecimento das autoridades.
De acordo com um despacho do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, Artur A., que também é arguido no caso, simulou um contrato de empréstimo entre a Hallal Global Food, empresa angolana com uma sucursal em Portugal, e a portuguesa Kosmikasterisk, em que a primeira emprestaria dinheiro à segunda.
Depois, forjou vários contratos entre a Kosmikasterisk e a Eco Food, empresa angolana, nos quais a primeira se dispunha a prestar determinados serviços à segunda. O advogado criou ainda um contrato de assunção de dívida entre a Eco Food e a Hallal Global Food, em que a primeira se obrigava a pagar a dívida da Kosmikasterisk perante a segunda. Com este esquema, Artur A. arranjou um caminho legal para a movimentação de 27 milhões de euros proveniente do misterioso Carlos, que foram colocados numa conta bancária da Eco Food no Banco de Fomento Angola, em Luanda, empresa que é controlada pelo empresário angolano.
Esta quantia foi depois transferida para uma conta no Banco Angolano de Investimentos da Hallal Global Food. Esta empresa fez uma transferência para a conta da Kosmikasterisk e o dinheiro acabou por ser daqui retirado de forma desconhecida e entregue ao já referido empresário angolano, já “lavado”. O advogado português acabou por ficar com uma comissão deste negócio.
Empresa de diamantes sob suspeita não passa de um pequeno armazém onde se guarda material de construção civil
Numa das escutas do processo, em novembro do ano passado, enquanto preparavam a transferência do dinheiro, o empresário angolano disse ao advogado português que pretendia fazer uma transferência de €50 milhões para Portugal repartidos por €8,3 milhões por semana.
Esta não foi a única interceção telefónica na qual os investigadores ouviram falar em elevados montantes. Numa outra data, o alegado líder desta rede, Paulo Nazaré, falou a um outro cúmplice, Eduardo A., de uma operação de €500 milhões.
Eduardo A. é sócio de Paulo Nazaré na aquisição dos diamantes na República Centro-Africana (RCA) e também participa na rede, na disponibilização de terminais de pagamento e cartões de débito e de crédito. E é dono de empresas que servem de fachada para esconder as suas transações ilegais. Destas empresas também faz parte Inês G., em cuja casa foram encontradas 1500 pedras preciosas, na sequência das operações de busca da Polícia Judiciária e DIAP de Lisboa, a 8 de novembro.
DIAMANTES EM QUELUZ
Jair C. é outro dos arguidos da Operação Miríade e é o sócio-gerente da Apirest Diamond, empresa que se dedica à importação e exportação de diamantes em bruto e pedras preciosas. E que se encontra sob investigação.
Mas a sede da suposta empresa de diamantes não passa de um pequeno armazém onde se guarda material de construção civil. O Expresso esteve esta semana numa praceta em Queluz, onde fica situada, e cruzou-se à porta com um operário que se encontrava a descarregar de uma carrinha algumas caixas e baldes. Lá dentro, podia ver-se um amontoado de tintas, tábuas e caixotes desarrumados. Nada com o brilho que se espera de uma empresa que negoceia diamantes.
A Apirest Diamonds é suspeita de servir de fachada para ocultar a proveniência do dinheiro dos negócios ilegais de tráfico da RCA e de outros países africanos. O capital social desta empresa com quatro anos de existência é somente de €1999 e os relatórios de contabilidade revelam apenas pequenas transações, em nada condizentes com o fluxo monetário gerado pelos negócios ilegais.
Nas buscas realizadas em Queluz, os investigadores apreenderam um documento de compra e venda de lingotes de ouro.
Esta é só uma das 40 empresas que serviam para branquear o dinheiro do negócio internacional ilegal, posto a descoberto pela Operação Miríade e que envolve, pelo menos, 66 arguidos. O Ministério Público considera que está em causa a prática de crimes de contrabando de diamantes em bruto, associação criminosa, branqueamento, falsificação de documento, acesso ilegítimo, burla informática, fraude fiscal, entre outros.
O esquema dos militares e ex-militares sob suspeita começava na RCA, com recurso a fornecedores locais de diamantes, ouro e droga, material que era traficado nos aviões militares que não eram sujeitos a controlo aeroportuário. Depois, era tudo vendido no norte da Europa, nomeadamente em Antuérpia, na Bélgica.
Paulo Nazaré e o seu braço-direito, Wilker Rodrigues, estão em prisão preventiva.
EXPRESSO