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João Lourenço - o primeiro ano

Post by: 13 November, 2017

“Angola: Santos avisa MPLA de que não vai a votos em 2017”. A notícia a que reporta este título, datada de 14 de Novembro de 2016, foi divulgada através de um Flash pelos assinantes do Africa Monitor Intelligence. Foi a primeira vez que tal foi noticiado, numa altura de grande especulação, em que a “vox populi” (e alguma comunicação social) dizia exactamente o contrário - que dos Santos iria agarrar-se ao lugar.

Por Paulo Guilherme

Recordo-me particularmente de comentários de incredulidade de um académico francês, nas redes sociais, quando confrontado com o título.

Era verdade. Eram relatos de uma reunião do Bureau Político do MPLA ocorrida imediatamente antes da partida de José Eduardo dos Santos (JES) para tratamentos médicos em Barcelona, a 12 de Novembro de 2016. “João Lourenço (JL), até agora identificado como sendo a figura preferida por JES e por sectores influentes do regime para se apresentar às eleições como candidato a Vice Presidente, é apontado no novo quadro como estando destinado a ser ele próprio candidato a Presidente”, escrevemos então. E cá estamos, um ano depois, perante o início do pós-eduardismo em Angola.

Como aqui fomos escrevendo, o final de reinado de 38 anos de dos Santos dificilmente poderia ser pior para a imagem do “arquitecto da paz”. João Lourenço recebe um país cujo PIB per capita vai ficar, pelo menos, quatro anos consecutivos sem crescer. Segundo os dados divulgados em Outubro pelo FMI, o PIB per capita vai recuar 1,5 por cento este ano e 1,4 por cento no próximo, depois de ter caído nada menos do que 3,6 por cento no ano passado. Em 2015, não cresceu (0%). O que isto significa é que a população está a crescer mais rápido do que o rendimento gerado pelo país. Ou seja, são 4 anos, consecutivos, em que os angolanos ficaram mais pobres. E em que tudo encareceu - a inflação subiu de 10% em 2015 para mais de 30% este ano.

Na Angola em paz, depois de 2002, não há memória de um período assim. Economicamente, o panorama é desolador. Mas há muito mais: as epidemias de 2016 (febre amarela, por falta de vacinação), a mortalidade infantil entre as mais altas do mundo, os despedimentos, os salários em atraso, o controlo de vastos sectores da economia por elementos da família presidencial e o seu círculo mais próximo, o silenciamento de vozes críticas.

É um país desesperado por mudança e abertura que João Lourenço herdou a 26 de Setembro de 2017. Um país com um potencial como poucos, com vontade de crescer, assim o deixem ser livre. De facto, Lourenço parece, para já, estar focado em criar uma sociedade mais livre. E tem o apoio de vastos sectores da sociedade, mais visivelmente os articulistas e “opinion makers”.

Em pouco mais de um mês, Lourenço foi de ser ridicularizado como “fantoche”, por ter escolhido um Governo de continuidade em relação à administração de Santos, até ser, agora, endeusado por ter arriscado afastar interesses instalados - começando pelos da família dos Santos.

Lourenço é hoje enormemente popular, e até surpreendeu a oposição pela positiva. Primeiro mudou o discurso, subindo o tom contra a corrupção, depois mudou a atitude. Agora falta mudar o país. E esse é o verdadeiro desafio. Uma coisa é falar contra a corrupção, outra é ter instituições que a previnam e um aparelho judiciário actuante - o que, contra os poderosos, nunca o país teve.

Está a desenhar-se já aquele que será o primeiro grande duelo de Lourenço - nada menos do que com a mulher mais poderosa do país, Isabel dos Santos. E esta, pela sua atitude recente em relação ao grupo de trabalho da Sonangol, não parece disposta a compromissos. Tal como é sabido que Lourenço, que nunca escondeu em meios privados o seu desagrado em relação ao poder e riqueza da primogénita de dos Santos, está ciente de que afastá-la, como cada vez mais lhe pedem, seria a sua coroa de glória.

Como sempre dissemos, o caminho da afirmação de Lourenço vai ser longo e cheio de precipícios. Está apenas no começo. E Lourenço escolheu o caminho mais arriscado - o do confronto, da imposição dos seus poderes (que a Constituição lhe confere, diga-se). Que é o da sua afirmação plena - embora possa levar um país complexo, muitas vezes dominado por aparências, a desperdiçar o seu potencial em guerras de bastidores - ou batalhas legais. AM

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