Num longo esclarecimento que o Expresso e a SIC publicam na íntegra, a empresária garante que nunca existiu qualquer conflito de interesses no esquema
Com nacionalidade portuguesa e angolana, a empresária Paula Oliveira decidiu agora quebrar o silêncio a que se remeteu desde as revelações do Luanda Leaks, para dizer que nunca cometeu ou participou em nenhum crime.
Num conjunto de novos documentos a que o Expresso e a SIC tiveram acesso, que incluem extratos bancários e ordens de transferências, vê-se que a dona formal da Matter Business Solutions, no Dubai, subcontratou três empresas suas para o projeto de reestruturação da Sonangol, com as quais ganhou mais de seis milhões de dólares.
Entre essas companhias subcontratadas pela companhia offshore do Dubai está uma através da qual recebeu 3,4 milhões de euros: a Youcall. Trata-se de uma empresa de recursos humanos angolana em que Isabel dos Santos era sua sócia com uma posição maioritária. Os extratos bancários revelam ainda que, além disso, houve ainda mais de 30 milhões que sobraram na conta da sociedade do Dubai.
Para um entendimento mais alargado sobre este tópico, leia aqui o artigo do Expresso e veja aqui a peça da SIC sobre o que aconteceu aos milhões da Sonangol desviados para o Dubai.
Em resposta a um conjunto de perguntas do Expresso e da SIC, Paula Oliveira enviou-nos um longo esclarecimento de 22 páginas que decidimos publicar na íntegra. “Nunca na minha vida fui “testa de ferro” de quem quer que seja”, garante. “Nem, tão pouco, alguma vez tive uma relação profissional de subordinação com a Engenheira Isabel dos Santos: ou fui sua sócia ou prestei serviços, de forma autónoma, às empresas por ela dirigidas; nunca fui sua empregada ou de qualquer das suas empresas. Nunca dependi, nem profissionalmente nem economicamente, da Senhora Engenheira Isabel dos Santos.”
Paula Oliveira e Isabel dos Santos foram donas de um dos restaurantes de luxo mais conhecidos de Luanda, o Oondah. Por outro lado, o Luanda Leaks revelou há mais um ano que, de acordo com uma certidão da Conservatória do Registo Comercial de Luanda com data de 27 de março de 2014, Paula Oliveira era então sócia minoritária de Isabel dos Santos na Youcall, empresa que usa como marca comercial o nome Ucall. A filha do ex-Presidente de Angola detinha uma quota de 70% e Paula Oliveira os restantes 30%. Além disso, a Ucall teve entre os seus maiores clientes em Angola a distribuidora de televisão por satélite Zap e a empresa de telecomunicações Unitel. Ambas tiveram como accionista Isabel dos Santos, sendo que no caso da empresa de telecomunicações, embora nunca tivesse sido accionista maioritária (tinha 25%), a filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos esteve à frente do seu conselho de administração durante duas décadas.
Em Portugal, Paula Oliveira foi administradora da NOS em representação de Isabel dos Santos, tendo sido afastada do cargo poucos dias depois da divulgação do Luanda Leaks. Isso aconteceu na mesma altura em que foram também afastados da administração da empresa de telecomunicações o principal gestor de negócios de Isabel dos Santos, Mário Leite da Silva, e Jorge Brito Pereira, o seu principal advogado, depois de ter sido tornado público o envolvimento de ambos na criação da Matter no Dubai.
Uma oportunidade de negócio “muitíssimo atraente”
A empresária conta no seu esclarecimento que foi convidada em junho de 2016 por Isabel dos Santos, na sua qualidade de presidente da Sonangol, para gerir o trabalho de consultores externos que estavam envolvidos na reestruturação da petrolífera e que, na sequência disso, convidou Mário Leite da Silva para trabalhar consigo. Foi a partir daí que, segundo conta, surgiu a necessidade de criar a Matter Business Solutions no Dubai. “A prestação de serviços à Sonangol quer diretamente, quer através da Matter (anteriormente designada Ironsea), como PMO [Project Management Office] do projeto de reestruturação da Sonangol, inseriu-se numa lógica puramente empresarial, racional, e de aproveitamento de uma oportunidade de negócio muitíssimo atraente, não só pela importância, dimensão e rentabilidade que representava dirigir todas as equipas envolvidas no processo de reestruturação da Sonangol, mas, também, pelas oportunidades de negócio que abria e que me permitiriam projetar os próximos anos com muita confiança.”
Paula Oliveira repudia qualquer outra interpretação que possa ser feita: “Foi um projeto empresarial exclusivamente meu e em que, ao contrário das insinuações, malévolas, que são feitas, a Engenheira Isabel dos Santos, quer direta, quer indiretamente, não teve qualquer participação ou proveito, não tendo tido qualquer outro papel que não fosse como representante da empresa na posição de cliente.”
Apesar destas explicações, Mário Leite da Silva, entretanto, assumiu ao Expresso e à SIC que todo o trabalho que fez para a Matter enquanto administrador e coordenador dos consultores internacionais da Sonangol foi pago através de um subcontrato da Matter no Dubai com a Fidequity, empresa detida por Isabel dos Santos e sediada em Lisboa.
No seu esclarecimento, Paula Oliveira escreve ainda: “No início do ano de 2020, ocorreu o arresto e o bloqueamento das minhas contas bancárias, do meu marido e da minha filha mais velha; das contas das minhas empresas, que levou ao incumprimento dos meus compromissos com o Estado, trabalhadores e fornecedores, e consequentemente à demissão dos principais quadros da empresa que geriam a carteira de clientes”. A empresária lamenta que tenha sido “levada a um estado de ‘falência financeira’ em pouco mais de 3 semanas”, do qual ainda não conseguiu sair.
Pelo que se pode ver em vários relatórios financeiros obtidos junto da consultora financeira Dun & Bradstreet e analisados pelo Expresso e pela SIC, duas empresas portuguesas de Paula Oliveira subcontratadas pela Matter Business Solutions no Dubai tinham elevadas reservas de dinheiro antes da divulgação do Luanda Leaks. A SDO Consultores tinha 12 milhões de euros em depósitos bancários no final de 2019 (comparados com 13,8 milhões em 2018), enquanto a PCFCNO Consulting possuía um milhão de euros em aplicações financeiras.
A empresária explica no seu esclarecimento que no primeiro trimestre de 2018 uma conferência de imprensa dada em Luanda por Carlos Saturnino, em que o sucessor de Isabel dos Santos à frente da Sonangol colocou em causa o trabalho feito pelo Matter, acabou por levar as autoridades bancárias do Dubai a convidar esta companhia a fechar as suas contas bancárias.
Paula Oliveira não revela quando é que isso aconteceu exatamente. Pode ler-se: “Todo o dinheiro que a Matter faturou e recebeu da Sonangol foi totalmente utilizado para pagar aos diversos prestadores de serviços, ficando a Matter com a margem de lucro que lhe cabia, de cerca de 23%, o qual se encontrava destinado à implementação da atividade de consultoria na área dos petróleos nos países dos Emirados Árabes e que, em face das dificuldades entretanto criadas, serviu para adquirir as participações sociais da SDO [nota do Expresso e da SIC: essas participações sociais têm o valor de 46 mil euros] e financiar a atividade desta empresa, como alternativa à Matter em função da impossibilidade objetiva de atuação desta a partir do momento em que as autoridades do Dubai a impediram de ter qualquer dinheiro naquele país.”
De acordo com os extractos bancários da Matter no Emirates NBD a que o Expresso e a SIC tiveram acesso, houve transferências feitas pela companhia offshore pelo menos até maio de 2018, sendo que sobraram mais de 30 milhões de dólares nessa conta depois de todos os consultores que trabalharam para a Sonangol, incluindo as empresas de consultoria da própria Paula Oliveira, terem sido pagos. Se o dinheiro saiu todo do Dubai, para onde foi então o resto dos milhões que não foram depositados na SDO? EXPRESSO
Eis o esclarecimento de 22 páginas de Paula Oliveira: clique AQUI.