Angolanos vivem "neocolonialismo" sob liderança do MPLA, diz Ernesto Mulato

Post by: 28 Setembro, 2025

O nacionalista e dirigente da UNITA (oposição) Ernesto Mulato lamenta que a independência da Angola, conquistada há 50 anos, não tenha assegurado o bem estar dos cidadãos e considerou que o país vive um "neocolonialismo" sob liderança do MPLA.

Ernesto Mulato, 84 anos, fez parte do grupo de dirigentes da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA, maior partido na oposição), que proclamou unilateralmente em 11 de novembro de 1975, na província do Huambo, a República Democrática de Angola.

À data, os três movimentos de libertação de Angola estavam divididos, nomeadamente o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), que proclamou a independência do país em Luanda, a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), que proclamou a independência no Ambriz e a UNITA no Huambo, afirmou Ernesto Mulato.

Em declarações à Lusa, insistiu que a ação dos movimentos de libertação teve um papel crucial para a independência, observando que à data dos factos o mundo já estava dividido em blocos que deram origem à guerra fria.

"Os movimentos que se foram formando já tinham também os seus lados, nunca houve um espírito de unidade e compreensão mútua para lutar contra o único inimigo [o colono português], houve sempre divergências" entre os três movimentos, referiu, acrescentando que "a ideia de se libertar o país" continua válida.

Membro da UNITA desde a sua fundação, em março de 1966, Mulato manifestou "tristeza e indignação" pelo facto de os cidadãos não sentirem hoje os frutos da independência de Angola, alcançada há 50 anos, nomeadamente paz, liberdade e bem-estar.

"É triste, porque o que levou os nacionalistas à luta de libertação de Angola era libertar o país, instalar-se no país um sistema que beneficiasse a toda a gente", lamentou, sublinhando que a paz "não está só no calar das armas".

"Quando vais à rua, vês a cara das pessoas, elas demonstram que não estão satisfeitas, é porque alguma coisa está errada, não foi o objetivo que se lutou", acrescentou.

Para o nacionalista, que também fez parte da delegação da UNITA que presenciou a assinatura do Acordo de Alvor entre o MPLA, UNITA, FNLA e o Governo colonial português, em 15 de janeiro de 1975, o que se assiste hoje em Angola contraria o projeto de Viriato da Cruz (um dos fundadores do MPLA).

Ernesto Mulato argumentou que, na época, Viriato da Cruz já admitia que a elite do MPLA visava o poder "apenas para a satisfação dos seus interesses", uma realidade, frisou, a que se assiste nos dias de hoje.

"Não é este o país sonhado pelos nacionalistas, o país não está bom, algo está errado. E é por isso que todas as fórmulas de debates que ocorrem aqui no país, não têm tido efeito nem na governação e nem na sociedade (...), tantos contributos e reuniões, mas a economia não vai para frente e as pessoas continuam à busca de soluções que não aparecem", criticou.

No âmbito das celebrações dos 50 anos da independência de Angola, que serão assinalados em 11 de novembro de 2025, pelo menos 247 figuras e personalidades angolanas e estrangeiras foram condecoradas pelo Presidente angolano, João Lourenço, incluindo .

Ernesto Mulato foi condecorado pelo Presidente angolano, João Lourenço, no âmbito das comemorações da independência, mas o dirigente da UNITA não compareceu na cerimónia, alegando que a sua presença seria uma "traição aos ícones da independência" e signatários do Acordo de Alvor, particularizando Jonas Savimbi (UNITA) e Holden Roberto (MPLA), que não foram condecorados, sendo a distinção apenas atribuída a Agostinho Neto (MPLA e primeiro Presidente angolano).

"Isso não é traição? Os ícones da independência não (foram) tidos e nem achados eu vou mesmo receber a medalha", questionou.

Para Ernesto Mulato, a independência tem três pais, ou seja, os três signatários (Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi).

"São figuras fundamentais da independência do país, quer queiramos quer não, que devem ser tidas em consideração", advogou.

"Quando estamos a celebrar 50 anos devemos nos perguntar em que ponto estamos, porque não [se] pode estar a falar [de independência] quando há cólera, quando há pessoas a comerem nos contentores de lixo", lamentou, realçando que as medalhas "não podem substituir o bem-estar dos angolanos".

O nacionalista, antigo deputado e antigo vice-presidente da UNITA, fez críticas à atual governação do MPLA, que "não estimula uma efetiva reconciliação" entre os angolanos, tendo considerado que o partido no poder "estagnou o país" e que só haverá paz e progresso quando este for para a oposição.

"Não haverá soluções mágicas para Angola se as pessoas não chegarem a conclusão de que quem estagnou e continua a estagnar o país é o MPLA, que colocou um sistema desde 1975 com o objetivo de manter o seu poder sem se preocupar com as populações", frisou.

Considerou "inadmissível e vergonhoso" o atual estado da saúde e educação em Angola, após 23 anos de paz, apesar das receitas do petróleo terem tornado "muitos dirigentes do país milionários", referindo que a ação dos tribunais no combate à corrupção "é tudo palhaçada".

Defendeu igualmente que os angolanos deveriam todos fazer um "exame de consciência" para fazer avançar o país, ressalvando que ao invés disso são definidas pelo Governo "estratégias e esquemas" como o recente julgamento de cidadãos no Huambo por alegados atos terroristas, com alegado envolvimento de dirigentes do seu partido -- "para combater a UNITA e o seu líder".

Questionado sobre o que espera de Angola nos próximos 50 anos, Ernesto Mulato defendeu que só haverá paz, progresso e prosperidade para os angolanos "quando ocorrer a primeira alternância no país, com um outro partido a governar".

O objetivo principal "deste governo não é de harmonizar o país, não é de uma reconciliação verdadeira, não é de marcha democrática (...). Hoje luta-se só para a manutenção do poder e quando você luta só para esse fim você perde todo o sentido lógico e você vê inimigo em toda a parte", concluiu.

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