A nova vida de Isabel dos Santos

Post by: 22 Novembro, 2021

Um ano depois da morte do marido e quase dois anos após o escândalo Luanda Leaks, Isabel dos Santos está cheia de ritmo e mostra-o a todo o mundo no Instagram. Madrugadora, mais magra, amante de desporto, sempre a viajar - no metro, em voos low cost, em iates de luxo.

A empresária angolana mudou de visual e de atitude. Reergueu-se. E parece pronta para a luta contra o Governo do país que se viu forçada a abandonar.

O império de negócios ruiu e Isabel dos Santos parecia caída na desgraça da opinião pública. Mas a mudança de atitude que fez ver nas redes sociais, com o novo visual, com mais confiança e mais próxima das gentes, veio a par de vários processos em tribunal para enfrentar um Governo angolano que acusa de “perseguição” e de estar motivado por uma “vingança pessoal”. Dos tribunais de Paris a Londres, a angolana passou ao ataque. Contratou uma empresa de investigação israelita, a Black Cube, de antigos agentes da Mossad, Polícia secreta de Israel, que conseguiu gravações áudio e vídeo secretas de membros da elite política e empresarial de Angola e que a empresária alega serem provas de que o regime angolano orquestrou uma “campanha política” para a destruir e difamar.

Sedrick de Carvalho, angolano, jornalista e ativista pelos direitos humanos, não consegue bem descortinar esta nova Isabel dos Santos, feita de maior exposição. “Não sei se será uma estratégia de comunicação, porque ela até aqui era muito fechada, havia poucos registos públicos. Ou se está mesmo decidida a ter uma vida pública mais descontraída. A verdade é que o império de negócios está despedaçado e talvez por aí queira dar uma ideia de que está tudo bem com ela.” E, diz ele, está efetivamente. “Em termos financeiros, está tudo bem mesmo. Apesar dos processos judiciais, Isabel foi a que mais beneficiou do saque de dinheiros públicos em Angola. Todos estes arrestos ainda não beliscam muito o seu estilo de vida. Prova disso é que consegue sustentar uma vida no Dubai. Esta cleptocracia angolana espalhou o dinheiro pelo Mundo todo, é muito difícil garantir que vão chegar a todo o lado.”

Ainda assim, o ativista, que foi preso político do regime angolano, reconhece que Isabel tem motivos para se sentir ameaçada e lesada pela perseguição de um presidente que fez da luta contra a corrupção uma bandeira e da angolana o rosto da sua luta. “João Lourenço tratou de colocar a Isabel dos Santos no topo da lista das pessoas a perseguir, e foi o que fez. Gastou imensas energias contra ela. Só que, paralelamente, está a fazer tudo ao contrário em Angola, ao ponto de as pessoas terem saudades de Isabel dos Santos. É quase um sentimento masoquista.” Por Angola, correm caricaturas, humor, escrita sarcástica a demonstrar isso mesmo. E a destruição das empresas do grupo da empresária, desde os supermercados Candando a uma fábrica de cerveja ou à maior produtora de cimento do país, com milhares de trabalhadores sem salários e a caírem no desemprego, ajudou. “É paradoxal, porque são empresas construídas em cima de dinheiro roubado. Mas há este sentimento misto de saudades.”

 A princesa africana não ignora o ambiente que se vive em Luanda e está a aproveitar o lanço. Aliás, Sedrick, também diretor da editora Elivulu, já chama de circo ao processo mediático que levou Isabel dos Santos a afastar-se do país e do qual se conhecem poucos desenvolvimentos. “Foi mais fogo de vista do que outra coisa. Houve alguns condenados, mas até esses circulam livremente pelo país.” E entende os argumentos da angolana. “Ela está, de facto, a ser vítima de uma perseguição, de um sistema judicial usado como arremesso político. Só não tem muito moral para o dizer. Está a ser vítima dos mesmos métodos de perseguição que o pai dela e ela própria usaram.”

A verdade é que, segundo Manuel Dias dos Santos, “o grande drama em relação a esta investigação é que muita da transferência de capital público para as mãos de Isabel dos Santos foi feita por decreto presidencial, pelo seu pai, o que do ponto de vista legal são transferências legítimas”. O caso da Efacec é o espelho disso: originalmente as ações eram detidas pela empresa nacional de energia angolana e foram transferidas para o nome de Isabel dos Santos. É inevitável: a empresária não pode ser vista à distância da governação de José Eduardo dos Santos. “Angola atribui tanto poder ao poder executivo que lhe permite governar assim, por decretos presidenciais.” E talvez por isso o caso seja uma pescadinha de rabo na boca.

“Quem mais saiu a perder com tudo isto foram os angolanos. Queimaram-se muitos recursos do Estado para criar ações legais contra Isabel dos Santos, devido às lutas de uma elite. Um processo que está a ser profundamente desgastante para todos. E, mesmo que se consigam anular os decretos anteriores, ela não pode pura e simplesmente repor os valores originais. É preciso indemnizar o país de todos os benefícios que obteve.” Algo que Manuel Dias dos Santos acredita ser improvável.

Isabel dos Santos saiu em janeiro do ranking da “Forbes” dos mais ricos de África (era a mulher mais rica do continente africano há oito anos consecutivos), devido aos ativos congelados. Pese embora a revista americana apontar que a empresária terá uma casa numa ilha privada no Dubai, onde mora, outra residência em Londres, onde vai frequentemente, e um iate no valor de 29 milhões de euros. “Provavelmente tem contas bancárias que a “Forbes” e as autoridades têm ainda de detetar”, escreveu a publicação.

Certo é que, depois do turbilhão, a angolana, que entretanto ainda perdeu o marido, se reergueu para dar luta. Para mostrar ao Mundo o lado privado no Instagram e para limpar o nome nos tribunais. E pode até voltar a recuperar parte do seu império empresarial. Mas a imagem de quem lesou Angola, de acordo com o sociólogo Manuel Dias dos Santos, “é uma responsabilidade de que as pessoas não a ilibarão nunca”.

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