O apelo foi feito pela gestora de Projetos sobre o Abuso Sexual do Mosaiko – Instituto para a Cidadania, Djamila Ferreira, no final de uma formação dirigida a jornalistas, para que a classe contribua na mudança de comportamento na forma como as situações de abuso sexual são compreendidas e tratadas pelos cidadãos.
Djamila Ferreira referiu que o número de casos de abuso sexual tende a aumentar a cada ano, mas a dimensão do problema ainda é difícil de se aferir devido à falta de dados.
“O nosso sentimento é que os números tendem a aumentar, como não somos uma instituição oficial para denúncias não temos dados concretos, mas é o que nós temos ouvido do ponto de situação do Inac [Instituto Nacional da Criança] e do Masfamu [Ministério da Ação Social, Família e Promoção da Mulher]", referiu, apontando que, anualmente são registados mais de 2.000 casos de violência contra meninas e mulheres em Angola.
Segundo Djamila Ferreira, é fundamental que todas as estruturas, principalmente as estatais, estejam organizadas para atender as vítimas.
“É importante que haja uma verba no OGE, que já desapareceu há mais de dois anos, para cobrir os casos de violência. Não vamos conseguir ultrapassar este problema sem estruturas politicamente organizadas, sem políticas públicas”, sublinhou.
A responsável avançou que, depois dos jornalistas, segue-se a formação com profissionais da justiça e seus auxiliares, para falar sobre a instrução processual e a garantia do acesso à justiça das vítimas de abuso sexual, bem como para a melhoria dos serviços.
“Porque nas pesquisas que fizemos sobre o acesso à justiça se chegou à conclusão que as vítimas, e principalmente mulheres, em Angola, não encontram solução para os crimes que são cometidos contra si, principalmente os crimes de abuso sexual”, disse.
Muitos casos, quando solucionados na comunidade, “chega-se à conclusão que a vítima causou aquele problema e é culpada pelo crime que lhe aconteceu e uma das soluções é casar a vítima com o violador”, salientou a gestora de projetos do Mosaiko.
“Quando os casos vão parar às esquadras, normalmente, se transfere para os sobas, porque se entende que não constitui crime, que o violador estava a conquistar a vítima, e acontece que a vítima volta para a sua comunidade e continua a conviver com o violador”, frisou.
Para uma mudança de paradigma, o Mosaiko, segundo Djamila Ferreira, considera importante o papel dos profissionais de comunicação social, na abordagem e tratamento dessas matérias, “para não contribuir ou reforçar padrões de género, que levem a culpabilização das vítimas”.
“Reunimos aqui jornalistas, porque achamos que os casos de abuso sexual devem ser tratados de uma forma específica, para não contribuir para o reforço do pensamento de que a vítima é culpada pelo crime de abuso sexual que lhe acontece”, explicou.
De acordo com Djamila Ferreira, o sentimento de impunidade, em consequência da morosidade da justiça, tem contribuído para o aumento de casos.
“Um dos fatores pode ser o descaso das instituições, a falta de recursos, o facto de não existir muitas vezes instituições de justiça representadas nas localidades, nomeadamente procuradores. Existem postos policiais, mas muitos dos profissionais não estão capacitados e preparados devidamente para lidar com as vítimas, a questão do desconhecimento também sobre os crimes sexuais e a capacidade para lidar com esse tipo de situações, é o que está por trás desse tipo de situações”, enfatizou.
Em 2021, o Mosaiko e outras organizações da sociedade civil escreveram à Assembleia Nacional e ao Governo a solicitar a inclusão e monitorização do Programa de Apoio à Vítima de Violência no OGE para o exercício económico de 2022, "descontinuado de forma injustificada no OGE de 2021".